segunda-feira, 18 de novembro de 2013

E se os videogames tivessem surgido antes dos livros?

Às vezes, lendo críticas a comportamentos relativamente recentes, fico impressionado com o tanto de preconceito que os "argumentos" usados revelam e com o fato de os críticos não perceberem que as características apontadas como problemáticas já estavam presentes em muitas atividades mais consolidadas. 

Então, fiquei pensando no que aconteceria se, por exemplo, a leitura fosse um hábito surgido há pouco tempo (digamos, após os videogames). Aposto que leríamos textos como este:

Uma geração de idiotas

Quem me conhece sabe que eu não sou preconceituoso nem quero soar alarmista, mas é preciso perguntar: o que está acontecendo com a nossa juventude? Ultimamente, só se fala da nova diversão das crianças e adolescentes em todos os lugares: o livro. Para quem ainda não sabe, trata-se de uma encadernação de páginas de texto, normalmente sem figuras (!), em que os adolescentes gostam de ler histórias monótonas e conselhos óbvios. Moda passageira? Talvez, mas veja o estrago que esses livros vêm causando:

Passividade

Em um livro, tudo já está pré-determinado: o jogador (agora ele é chamado de “leitor”) não tem nenhuma participação, nenhum desafio, nenhuma decisão a tomar. Não bastassem os games exigirem cada vez menos habilidade (que saudades do Mega Man...), agora surgem esses livros e tornam nossos jovens em espectadores passivos de um enredo construído por outra pessoa. Veja o absurdo: um bom leitor e um mau leitor vão terminar o livro exatamente da mesma maneira (no máximo, o bom leitor vai terminar um pouco mais rápido). E a meritocracia, onde fica? É esse o valor que queremos passar para nossos jovens?

Nesse ritmo, chegará o dia em que os vestibulares, ao invés de aprovar o candidato que consegue chegar ao nível 70 em World of Warcraft em menos de duas semanas, vão simplesmente perguntar o que o aluno leu em um desses livros.



 
Quem está mais preparado para a sociedade competitiva dos dias atuais?

Falta de interação social

Esqueça as risadas, as brincadeiras, o companheirismo: o livro é tudo que importa. Os jovens ignoram uns aos outros em casa, nas escolas, nas festas... cada um voltado para seu próprio livro, mesmo que o mundo esteja caindo ao seu redor. E depois, suas conversas são sobre os próprios livros! Einstein já havia dito: "Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas". Imaginem o susto que ele teria se soubesse que o grande responsável pelo isolamento dos nossos jovens é uma “tecnologia” que poderia ter sido inventada há séculos...

 
Por que temer uma invasão zumbi, quando você já se comporta como um zumbi?


Em breve, cenas como essa serão parte do passado...


 Influências negativas

Mas o pior de tudo é a influência que esses livros podem ter sobre nossos jovens: ao contrário dos games, em que cada jogador escolhe como vai agir, mudando o rumo da história e sendo recompensado ou punido por suas ações, os livros têm resultados que refletem apenas as crenças do autor: se ele quer nos fazer crer que a preguiça é algo positivo, basta criar uma história em que um preguiçoso se dá bem no final. Os jovens, que ainda não jogaram games em quantidade suficiente para ter senso crítico, acabam acreditando! E ainda há livros que incentivam a violência. Sim, alguém pode argumentar que alguns games também contêm violência, mas é diferente: quando você joga God of War, sabe que é tudo fingimento. Além disso, você pode tomar as ações que quiser ali mesmo, dentro do jogo. Já os livros apenas falam, falam e falam, deixando para o mundo exterior as ações que o leitor inevitavelmente vai querer praticar. Isso para não mencionar os livros que são fictícios, mas nunca deixam isso claro. Já há pessoas levando esse tipo de livro a sério e querendo que todos os outros façam o mesmo!


Até quando veremos manchetes como essa?


Se você se preocupa com seus filhos, mantenha essa praga longe deles! Está nas nossas mãos decidir o tipo de mundo que queremos deixar para as próximas gerações!

Fiquem com Goku.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A Redação na Unicamp 2014: Gênero 2 - Carta Aberta



Aqui vai o comentário sobre o segundo gênero pedido no vestibular Unicamp 2014 (o primeiro foi publicado ontem e pode ser lido neste link).

Mais uma vez, caiu uma carta como gênero na prova da Unicamp. Este ano, foi escolhida a carta aberta, um gênero em que o autor se dirige a uma figura pública (tipicamente, uma autoridade) fazendo uma crítica ou solicitação. A diferença entre esse gênero e a carta argumentativa é que, na carta aberta, há a publicação do texto, que se torna acessível a toda uma comunidade. O autor da carta espera, assim, que o público faça pressão sobre a autoridade, aumentando a eficácia do texto e a probabilidade de as reivindicações serem atendidas (ou de a crítica ser sentida).




Veja a proposta abaixo ou na página da Comvest:



 Como de costume nas provas da Unicamp, não basta saber o nome do gênero: muito mais importante é entender as partes que o compõem e o propósito específico desse gênero na situação colocada pela banca elaboradora. Vamos entender então cada passo que compõe o gênero, seguindo a estrutura que eu já comentei aqui diversas vezes:

1. O propósito:

O propósito principal da carta era a reivindicação de ações consistentes para a melhoria da mobilidade urbana em uma cidade. É muito provável, no entanto, que a banca não esteja esperando a conclusão “reivindicamos ações consistentes”, mas sim uma sugestão específica de ação, que poderia ser encontrada nos textos motivadores, especialmente no texto III (por exemplo, nos trechos “aproximando os locais de moradia dos locais de trabalho ou de acesso aos serviços essenciais”, “ampliando o modo coletivo e os meios não motorizados de transporte” e “a ocupação dos vazios urbanos, modificando-se, assim, os fatores geradores de viagens e diminuindo-se as necessidades de deslocamentos, principalmente motorizados”).
 
2. O locutor:
 
A banca a pediu claramente que o candidato se colocasse no lugar de membro de uma associação de moradores interessados na melhoria da mobilidade urbana. Faz sentido supor, portanto, que as características individuais desse autor sejam secundárias em relação às características da associação (aparentemente, um costume da associação é se reunir e discutir textos sobre mobilidade urbana, como indicado nos seguintes trechos do enunciado: “uma associação de moradores de uma grande cidade se mobilizou, buscou informações em textos e documentos variados” e “utilize também informações apresentadas nos trechos abaixo, que foram lidos pelos membros da associação”). No entanto, a natureza do gênero carta aberta e, mais ainda, a especificidade da proposta feita pela Unicamp neste ano tornam a exploração de características uma tarefa de importância reduzida em relação à argumentação e à apresentação de uma proposta.



3. O interlocutor:

A carta deveria ser dirigida a autoridades municipais. Imagino que a banca examinadora aceitará tanto essa denominação genérica quanto a menção a alguma autoridade mais específica (duas autoridades possíveis seriam o prefeito ou o secretário de transportes, por exemplo; o candidato deveria ter cuidado, no entanto, para não dirigir o texto a alguma autoridade extramunicipal, como a presidente ou o ministro dos Transportes). Para criar a imagem dessa autoridade, apresentando vantagens que ela teria ao colocar em prática as medidas propostas na carta, seria possível usar o texto II: um forte argumento apresentado nesse texto é o de que a própria cidade tem um alto custo devido a problemas de mobilidade urbana. Assim, o locutor poderia tornar a carta mais convincente argumentando que suas propostas diminuirão esse custo.

4. O meio:

Esse provavelmente foi um dos aspectos que causou mais dúvidas; isso porque a carta aberta é, historicamente, um texto jornalístico e, portanto, necessita de título. No entanto, seguindo sua tradição de modificar ligeiramente as características dos gêneros, a Unicamp explicitou que a carta em questão seria divulgada por meio de redes sociais. Assim, a necessidade de título tende a desaparecer. Da mesma forma, a carta aberta publicada em jornais costuma não ter uma assinatura destacada. Mas a proposta da Unicamp pediu essa assinatura (com as iniciais do remetente), o que indica a preferência por uma estrutura clássica de carta, com cabeçalho, saudação, despedida e assinatura.
O mais provável é que ocorra neste ano o mesmo que ocorreu com o comentário e com o manifesto na prova de 2012: naquele ano, a Unicamp aceitou textos com e sem título, com e sem cabeçalho. Acreditamos que, no vestibular de 2014, a Unicamp aceitará tanto as redações com formato clássico de carta (“Campinas, 10 de novembro; Ao secretário de transportes...”) quanto as que contêm título típico de carta aberta (“Carta aberta ao secretário de transportes”).
 
5. A linguagem:
 
Sobre a linguagem, espera-se que o candidato escreva um texto formal e que use interlocução, de modo a caracterizar a carta. A ausência de interlocução será, provavelmente, uma falha muito mais grave do que a ausência de aspectos formais, como o cabeçalho.

É isso que posso falar por enquanto. Ainda esta semana, a Unicamp deve publicar a expectativa oficial da banca, que, nos últimos anos, revelou-se muito pouco útil. Vamos ver se teremos alguma mudança este ano.

Até breve.