terça-feira, 29 de outubro de 2013

Como fazer uma boa redação no vestibular Unicamp? (passo 2: a interlocução)



Continuando a série de postagens sobre como fazer uma boa redação na prova da Unicamp, vou falar hoje sobre a segunda pergunta que você deve fazer (e responder!) antes de escrever o texto:

2)     quem são o locutor e o interlocutor do texto?

Um elemento muito importante, mas bastante ignorado pelos candidatos, é o estabelecimento da interlocução. Isso quer dizer que você deve deixar claro quem é a voz responsável pelo texto (locutor) e quem é o público a que ele se dirige (interlocutor). Na maior parte das vezes, o ideal é fazer isso de maneira explícita.

Um exemplo: na prova de redação de 2012, uma das propostas exigia que o candidato fizesse um manifesto em nome dos alunos de uma escola e que esse manifesto fosse lido durante uma reunião com os pais de alunos, professores e direção da escola. Abaixo, reproduzimos um texto produzido por um candidato, que teve pontuação acima da média nesse ano:

Caros pais, professores e diretoria, nós, alunos desta escola, nos sentimos chocados com o recente episódio no qual alguns alunos gravaram uma aula de História e a criticaram com comentários públicos no Facebook, uma rede social na internet.

Como você pode ver, o que ele fez foi apresentar, explicitamente, o locutor e o interlocutor do texto, não deixando margem para dúvidas sobre se ele entendeu ou não a proposta. Não foi esse o caso do autor do trecho abaixo:

Além de nos privarmos de muita coisa em horário de aula, devemos nos privar em casa, com medo de sofrer punição ao voltar para o colégio? E o objetivo das redes sociais, será mesmo destruído?
A busca de um senso comum não ofenderia ninguém, diminuiria toda a confusão e agradaria ambos.
Convoco os senhores a participarem da discussão que será feita no auditório (...)

O candidato que escreveu esse texto provavelmente sabia que o locutor deveria respresentar os alunos de uma escola e que o interlocutor seria o grupo presente à reunião (pais, professores e direção). No entanto, ele não expressou isso diretamente: ele diz “nos privarmos de muita coisa em horário de aula”, o que não é suficiente para indicar que o texto está sendo lido em nome dos alunos. Também não fica claro quem está sendo convocado (“os senhores”).  Essa falta de indicações claras prejudicou consideravelmente a pontuação do texto.


Agora, uma observação muito importante:
Alguns parágrafos acima, eu disse que, na maior parte das vezes, o ideal é indicar o locutor e o interlocutor de maneira explícita. Por que só na maior parte das vezes, não em todas?

A verdade é que alguns gêneros não permitem que se fale de maneira explícita sobre o autor e o interlocutor (por exemplo: notícia, editorial e verbete). Nesses casos, para mostrar que você entendeu a instrução, tente considerar as características do locutor e do interlocutor em outros aspectos do texto, como a linguagem. 
Veja um exemplo dessa situação na prova de 2012, que dizia:

Imagine-se na posição de um leigo em informática que, ao ler a matéria Cabeça nas nuvens, reproduzida abaixo, decide buscar informações sobre o que chamam de computação em nuvem. Após conversar com usuários de computador e ler vários textos sobre o assunto (alguns dos quais reproduzidos abaixo em I, II e III), você conclui que o conceito é pouco conhecido e resolve elaborar um verbete para explicá-lo. Nesse verbete, que será publicado em uma enciclopédia on-line destinada a pessoas que não são especializadas em informática, você deverá:

  • definir computação em nuvem, fornecendo dois exemplos para mostrar que ela já está presente em atividades realizadas cotidianamente pela maioria dos usuários de computador;
  • apresentar uma vantagem e uma desvantagem que a aplicação da computação em nuvem poderá ter em um futuro próximo.


Embora a proposta contenha algumas referências a características do locutor e do interlocutor, o gênero verbete não permite que essas características apareçam explicitamente. Por isso, você precisaria apenas mostrar que entendeu o público a que o texto se dirige: como esse público é leigo em informática, bastaria não utilizar termos muito técnicos e a tarefa estaria cumprida. Já o fato de o locutor ter sido leigo no assunto fica de fora, mesmo: não dá para mostrar essa característica no verbete.

Se você quiser ler as propostas de redação da Unicamp 2012 e ver vários exemplos de textos, é só seguir o link: http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2013/download/comentadas/redacao.pdf

Esse foi o segundo passo. O terceiro vai aparecer ainda esta semana. Fique atento!

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Como fazer uma boa redação no vestibular Unicamp? (passo 1: o propósito)

Muitas pessoas têm dificuldade com a prova da Unicamp, principalmente em relação aos gêneros pedidos. É comum que me perguntem, por exemplo, quais gêneros são os mais prováveis (como se não bastasse eu ter que adivinhar os temas...). Porém, fazer listas de possíveis gêneros não é a melhor estratégia para a prova da Unicamp, por dois motivos:
  1. o número de gêneros é gigantesco; é inviável memorizar todos.
  2. um gênero pode ser usado na prova com algumas de suas características modificadas.

Qual é, então, a melhor estratégia? Na minha opinião, ela envolve um processo de leitura e planejamento de texto que eu vou detalhar aqui. Basicamente, você deve ler a proposta com muito cuidado e responder a algumas perguntas:
  1. qual é o propósito do texto?
Alguns propósitos possíveis: convencer, explicar, informar, resumir, reivindicar, opinar... Dependendo do propósito, o formato do texto será alterado. Por exemplo, se o propósito do texto for informar, ele tende a ser mais objetivo, com uma linguagem mais direta; se o propósito for convencer, é importante pensar nos argumentos que serão apresentados.

Veja, como exemplo, a proposta de carta do leitor do vestibular Unicamp 2013:


Imagine que, ao ler a matéria “Cães vão tomar uma ‘gelada’ com cerveja pet”, você se sente incomodado por não haver nela nenhuma alusão aos possíveis efeitos que esse tipo de produto pode ter sobre o consumo de álcool, especialmente por adolescentes.
Como leitor assíduo, você vem acompanhando o debate sobre o álcool na adolescência e decide escrever uma carta para a seção Leitor do jornal, criticando a matéria por não mencionar o problema do aumento do consumo de álcool. Nessa carta, dirigida aos redatores do jornal, você deverá:

  • fazer menção à matéria publicada, de modo que mesmo quem não a tenha lido entenda a importância da crítica que você faz;
  • fundamentar a sua crítica com dados apresentados na matéria “Vergonha Nacional”, reproduzidos adiante.

Atenção: ao assinar a carta, use apenas as iniciais do remetente.


  
Na proposta acima, os propósitos são três:
  • fazer menção à matéria “Cães vão tomar uma 'gelada' com cerveja pet”;
  • criticar essa matéria por não mencionar o problema do aumento do consumo de álcool; e
  • fundamentar a crítica com dados da matéria “Vergonha Nacional”.
Se você anotar todas essas informações no projeto de texto, é só conferir depois se você fez tudo o que foi pedido. Se faltar algo, corrija antes de passar o texto a limpo.

Veja abaixo alguns exemplos do cumprimento dessa tarefa:

1 – fazer menção à matéria:

(…) me vejo na função de expressar meu descontentamento perante a matéria veiculada no caderno “Cotidiano” do último dia 22 de julho, que tinha por objetivo informar sobre uma nova linha de cerveja para cães.”

2 – criticar a matéria por não fazer referência ao risco do aumento do consumo de álcool, especialmente entre adolescentes:


Me incomoda, assim, que não surja na matéria nenhum questionamento sobre consequências mais sérias desta banalização do consumo de álcool em nossa sociedade (mesmo que a bebida dos cães não possua teor etílico, a referência é clara), principalmente entre aqueles que possuem menos maturidade para avaliar suas atitudes: os adolescentes.”

3 – usar dados da outra matéria (“Vergonha Nacional”)

Dados de um estudo publicado no periódico “Drugs and Alcohol Dependence” mostram que 88% dos jovens brasileiros de 14 a 17 anos entrevistados na pesquisa já se embebedaram ao menos uma vez na vida, sendo um terço deles num período recente de um ano. A pesquisa também revela que, muitas vezes, o contato com a bebida se associa ao ambiente familiar, já que quase 25% daqueles que afirmaram ter se embebedado estavam em casa própria ou de parentes quando o fizeram pela última vez. Além disso, 17% foram acompanhados por pais ou tios, o que denuncia a naturalidade com que tal atitude é encarada por seus responsáveis.”

Todos os exemplos acima foram retirados de uma redação publicada pela Unicamp. Se quiser ler a redação inteira, ela está na página 10 deste link: http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2014/download/comentadas/redacao.pdf
A proposta está aí também, na página 4.

É isso por hoje. O próximo passo vai ser postado amanhã (terça).