domingo, 20 de novembro de 2011

Comentários sobre a proposta de redação da PUC-SP 2012

Confira a prova na página da PUC-SP: Linkhttp://www.vestibular.pucsp.br/

Quebrando uma tendência de vários anos, a prova da PUC-SP 2012 não ofereceu uma dissertação entre as opções de proposta. Havia apenas uma possibilidade: a elaboração de uma carta destinada à presidente (ou 'presidenta', como o tema destacava) Dilma Roussef.

Pessoalmente, sou favorável à presença de outros gêneros e tipos de texto, além da dissertação, nas provas de vestibular. Acredito que essa transformação no teor das provas, que vem se intensificando nos últimos anos, valoriza o leitor mais completo e não aquele que memoriza fórmulas prontas aplicáveis a uma única situação textual. Daí a minha recomendação para quem pretende ser aprovado em provas e concursos: ler muitos textos, de fontes diversas, e não acreditar em dicas genéricas e fórmulas pretensamente aplicáveis a todas as situações.

No tema de carta da PUC-SP 2012, a tarefa era a seguinte:

Usando um pseudônimo, redija uma carta à presidente Dilma Roussef, sugerindo-lhe qual deve ser a prioridade de seu governo, para realmente marcar seu nome na história do Brasil. Use argumentos necessários para convencê-la de que sua sugestão é realmente relevante.

Para auxiliar o candidato, havia dois excertos que formavam a coletânea. Um deles, que continha um trecho do discurso de posse da presidente, destacava o simbolismo de sua eleição, considerada uma prova da capacidade feminina e um importante passo rumo à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres:

Em 2010, final da primeira década do terceiro milênio, o Brasil elege a primeira mulher para presidente, pelo voto direto.Em seu pronunciamento, a presidente eleita, Dilma Rousseff, após o anúncio do resultado do segundo turno da eleição, declara:

“Mas eu queria me dirigir a todos os brasileiros e as brasileiras, meus amigos e minhas amigas de todo o Brasil. É uma imensa alegria estar aqui hoje. Eu recebi de milhões de brasileiros e de brasileiras a missão, talvez a missão mais importante da minha vida.

E esse fato, para além da minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país, porque pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro, portanto, o meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras para que esse fato até hoje inédito se transforme num evento natural e que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis e nas entidades representativas de toda a nossa sociedade. A igualdade de oportunidades entre homens e mulheres é um princípio essencial da democracia.”

Disponível em< http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/10/leia-integra-do-pronunciamento-da-presidente-eleitadilma-rousseff.html> Acesso em 10 de ago. 2011.

O outro excerto que compunha a coletânea era composto por um conjunto de dados numéricos relativos ao Censo 2010, realizado pelo IBGE:

BRASIL - CENSO 2010 (IBGE)

População: 190.755.799 de brasileiros

O Brasil possui 8.515.692,27 km², distribuídos em um território heterogêneo, muitas vezes de difícil acesso, composto por 27 Unidades da Federação e 5.565 municípios.

O nível de analfabetismo do brasileiro passou de 12% em 2000 para 9,6% em 2010.

Nascimentos: 600.000 é o número de crianças sem certidão de nascimento.

Idade: Houve um aumento constante no número de idosos e uma diminuição significativa da população com até 25 anos. O Censo 2010 apurou ainda que existem 23.760 brasileiros com mais de 100 anos.

Brancos correspondem a menos da metade da população, pela primeira vez no Brasil.

Domicílios brasileiros: O Brasil tem 42.851.326 de domicílios.

74,2% dos brasileiros moram em casa própria e 81,4% estão localizados em área urbana.

Empregos: A população economicamente ativa do Brasil é de 79.315.287 de pessoas.

A população urbana também cresceu. Em 2000, representava 81,25% dos brasileiros. E agora, soma 84,35%.

51%|Mulheres

97.342.162 pessoas

49%|Homens

93.390.532 pessoas

Fonte IBGE, disponível em . Acesso em agosto 2011.


Trata-se, portanto, de um típico tema de Carta Argumentativa, como as que eram cobradas pela Unicamp até 2009. É necessário elaborar uma tese, na forma de uma proposta, e tentar persuadir a presidente a aceitar sua validade, ou seja, a agir de modo a colocá-la em prática. Para isso, é necessário construir a imagem da presidente: o candidato deve mencionar características de Dilma que a tornem mais receptiva aos seus argumentos. Uma boa carta argumentativa não é uma dissertação com cabeçalho e despedida, mas sim um texto escrito desde o início tendo em mente o interlocutor específico a quem ele se destina. Assim, os argumentos devem levar em conta, sempre que possível, a personalidade do interlocutor.

É possível, por exemplo, sugerir a Dilma Roussef que combata de maneira firme a corrupção, inclusive quando cometida por colegas de partido; um argumento possível seria o de que, além de diminuir os desvios de verbas que tanto prejudicam o país, essa atitude provaria que ela não é simplesmente uma invenção de Lula, mas que tem força política e personalidade para liderar transformações ainda mais profundas do que as realizadas pelo ex-presidente.

A leitura atenta da coletânea revela várias outras propostas que poderiam ser feitas. O trecho do discurso da presidente pode ser usado como base para sugestões que promoveriam a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Já o segundo excerto, com os dados do IBGE, fornece subsídios para dimensionar o impacto de algumas medidas (constam nele, por exemplo, o número de analfabetos do país e uma clara indicação do envelhecimento da população).

Outro recurso típico de cartas argumentativas que poderia ser utilizado é a máscara. O autor poderia revelar características suas que dariam maior sustentação aos seus argumentos; seria possível, por exemplo, colocar-se como um pesquisador, para apresentar os dados constantes do segundo excerto, ou como um cientista político, que mostraria à presidente quais medidas são as mais desejadas pela população.

Não se pode esquecer, por fim, da interlocução. Ao contrário da dissertação, que tem um tom impessoal, a carta deve fazer referências ao autor e ao interlocutor sempre que possível. De preferência, essa interlocução deve mencionar características dos envolvidos no diálogo, e não se basear apenas em palavras e expressões como “entendeu?”, “ a senhora não acha?”, e “na minha opinião”.

Uma dúvida que provavelmente está afligindo muitas pessoas: a carta deve, sim, ter um cabeçalho (por exemplo, “Campinas, 20 de novembro de 2011”), uma saudação (que poderia ser “Exma. Senhora Presidenta”) e uma despedida (algo como “Respeitosamente, despeço-me” ou “Atenciosamente, C. G. J.”). Esses elementos não são, normalmente, o que define a qualidade de uma carta, mas ajudam a caracterizá-la e mostram que o candidato domina esse gênero. Quanto ao uso de “presidenta” ou “presidente”, eu acredito que a segunda forma é gramaticalmente mais correta, mas usaria a primeira forma se fosse escrever para Dilma Roussef, porque sei (pela leitura de declarações e entrevistas na mídia) que ela prefere ser chamada dessa maneira.

Enfim, o tema de redação da PUC- SP, embora surpreendente para muitos candidatos, não apresentou um nível de dificuldade exagerado nem fugiu do que se espera de uma proposta de redação.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Expectativa oficial da redação Unicamp

Foi publicada, na página da Unicamp, a expectativa da banca para as redações. Achei o texto um tanto vago (não se explica, por exemplo, o que vai acontecer com quem usou a primeira pessoa do singular no gênero verbete), mas vale uma olhada.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Análise de redações UEL 2011

A prova de redação da UEL apresenta três opções, de maneira muito semelhante ao que era feito na Unicamp até o vestibular 2010. E, também de forma parecida com a Unicamp, a UEL publicou uma análise de seus temas, com exemplos de textos variados, tanto acima quanto abaixo da média.

Acredito que esse tipo de iniciativa deveria ser seguido por todos os vestibulares do Brasil, pois mostra respeito pelo candidato, ao revelar claramente quais são os critérios usados na correção dos textos. Se mais universidades fizessem o mesmo, ficaria bem mais fácil desmistificar as lendas sobre redação que circulam pelos corredores das escolas.

Baixe aqui o PDF com as propostas e análises: http://www.cops.uel.br/vestibular/2012/RevistaDialogosPedagogicos.pdf

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Redação na Unicamp 2012: Gênero 3 – Verbete

http://www.comvest.unicamp.br/vest2012/F1/f12012QZ.pdf

Finalmente o terceiro e mais inesperado dos gêneros da Unicamp 2012: o verbete. Novamente o desespero poderia tomar conta de quem lesse o tema e começasse a pensar no número de verbetes que escreveu durante a vida (meu palpite: zero). Era possível deduzir as características do tema pela leitura atenta da proposta, mas, infelizmente, desta vez o texto usado para contextualizar o gênero trouxe mais dúvidas que informações úteis. Observe:

Imagine-se na posição de um leigo em informática que, ao ler a matéria Cabeça nas nuvens, reproduzida abaixo, decide buscar informações sobre o que chamam de computação em nuvem. Após conversar com usuários de computador e ler vários textos sobre o assunto (alguns dos quais reproduzidos abaixo em I, II e III), você conclui que o conceito é pouco conhecido e resolve elaborar um verbete para explicá-lo. Nesse verbete, que será publicado em uma enciclopédia on-line destinada a pessoas que não são especializadas em informática, você deverá:

• definir computação em nuvem, fornecendo dois exemplos para mostrar que ela já está presente em atividades realizadas cotidianamente pela maioria dos usuários de computador;

• apresentar uma vantagem e uma desvantagem que a aplicação da computação em nuvem poderá ter em um futuro próximo.

Fica claro, pela leitura da proposta, que o propósito do verbete é definir o conceito de computação em nuvem. O fato de ele ser destinado à publicação em uma enciclopédia também ajuda a entender do que se trata o gênero. Porém, o trecho narrativo antes da proposta, que menciona o fato de o autor ser um leigo em informática, pode confundir algumas pessoas; afinal, normalmente as informações que aparecem na proposta de Redação da Unicamp devem ser explicitamente mencionadas no texto escrito pelo autor (especialmente as que estão em negrito). Isso significa que o verbete deveria dizer “eu sou um leigo em informática e resolvi escrever este texto para explicar a computação em nuvem, que é um conceito de informática”? Não faria sentido. Então, concluímos que toda a história sobre como o autor teve a ideia de escrever o texto pode ser desconsiderada no texto final.

Os principais argumentos para sustentar que o verbete não deve conter referências ao autor, especialmente referências ao fato de ele ser leigo, são os seguintes:

1 – o gênero verbete, sendo informativo, deve ser também objetivo, ou seja, ter foco na informação e não nas impressões e características individuais de quem escreve;

2 – o autor do texto, que era um leigo em informática, resolveu se informar sobre o assunto antes de escrever seu verbete. Quando ele finalmente escreve, portanto, podemos dizer que ele não é mais um completo leigo.

Portanto, temos aqui um texto informativo, com um autor impessoal. Some-se a isso o fato de o tema pedir não apenas uma definição, mas também dois exemplos, uma vantagem e uma desvantagem, e percebemos que o gênero está muito próximo de uma dissertação expositiva. Faz sentido, na verdade, que a Unicamp sempre coloque na prova um texto próximo à dissertação: afinal, muitos estudantes conhecem apenas esse tipo de texto, que é o mais trabalhado nas escolas, e seria injusto não dar a esses estudantes nenhuma oportunidade de aplicar seu conhecimento. Assim, a presença de um texto que é praticamente uma dissertação em todas as provas da Unicamp faz com que o candidato que só conhece esse tipo de texto tenha uma nota melhor que a de quem não conhece nenhum gênero, mas também faz com que esse aluno especializado consiga na soma das redações menos pontos que um candidato capaz de produzir textos em gêneros diversos.

Imagino que essa característica vá se modificar um dia, mas, por enquanto, percebo uma tendência da Unicamp a pedir, em toda prova, que se produza um texto dissertativo: no simulado de 2010, foi o editorial; no vestibular 2011, o artigo de opinião; agora, temos esse verbete como representante.

Supondo que você tenha concluído corretamente sobre a impessoalidade do gênero verbete, o restante é bem simples, praticamente uma paráfrase dos textos de apoio. É necessário, em primeiro lugar, definir o termo. Basta, para isso, encontrar as informações nos textos motivadores e formulá-las como uma definição. Ficaria algo assim:

“Computação em nuvem: sistema de computação em que o usuário não tem todo o equipamento em sua casa, mas usa equipamentos e programas que se localizam em outro local e são acessados por meio da internet.”

Tentei usar uma linguagem mais simples, sem termos como hardware, software e hospedagem, para atender a um outro aspecto do tema: o interlocutor, que é definido no tema como pessoas que não são especializadas em informática. Embora seja possível alguém concluir que deveria se dirigir ao leitor de forma explícita, o gênero verbete não tem essa característica (e, para ajudar a lembrar disso, o candidato poderia buscar na memória as vezes que leu uma enciclopédia). No entanto, como o verbete deveria ser publicado em uma enciclopédia on-line, que é um meio muito recente e com características ainda em processo de consolidação, não seria absurdo a Unicamp considerar as redações que usassem interlocução.

Além da definição, deveria haver dois exemplos de situações cotidianas em que a computação em nuvem é usada. Um exemplo muito explícito, o funcionamento dos provedores de e-mail, está no excerto II da coletânea:

Se você tem uma conta de e-mail com um serviço baseado na web, como Hotmail, Yahoo! ou Gmail, então você já teve experiência com computação em nuvem. Em vez de rodar um programa de e-mail no seu computador, você se loga numa conta de e-mail remotamente pela web.

(aí está mais uma indicação de que o gênero verbete não deveria ter interlocução; caso contrário, parte dele se tornaria uma cópia exata do texto motivador)

O outro exemplo é um pouco mais difícil de identificar, mas eu escolheria o disco virtual, ou seja, um espaço que permite guardar arquivos em um provedor remoto e que é citado no texto “Cabeça nas Nuvens”:

Diogo desenvolveu o Escola na nuvem (escolananuvem.com.br), um portal em que estudantes e professores se cadastram e podem armazenar e trocar conteúdos, como o trabalho de matemática ou os tópicos da aula anterior. As informações ficam em um disco virtual, sempre disponíveis para consulta via web.

Quanto à vantagem e a desvantagem, é possível encontrar ambas com facilidade; a vantagem, que está descrita no excerto II, pode ser parafraseada como “a possibilidade de usar programas em vários computadores sem ter que adquirir e instalar várias cópias desse programa”:

Em breve, deve haver uma alternativa para executivos como você. Em vez de instalar uma suíte de aplicativos em cada computador, você só teria de carregar uma aplicação. Essa aplicação permitiria aos trabalhadores logar-se em um serviço baseado na web que hospeda todos os programas de que o usuário precisa para o seu trabalho. Máquinas remotas de outra empresa rodariam tudo – de e-mail a processador de textos e a complexos programas de análise de dados. Isso é chamado computação em nuvem e poderia mudar toda a indústria de computadores.

Como desvantagem, poderia ser citado o risco de se perder a conexão com a internet, ou até mesmo problemas de segurança relacionados ao fato de as informações de uma empresa, por exemplo, estarem hospedadas em poder de outra empresa. O excerto III se dedica justamente a mencionar esses aspectos possivelmente negativos:

A simples ideia de determinadas informações ficarem armazenadas em computadores de terceiros (no caso, os fornecedores de serviço), mesmo com documentos garantindo a privacidade e o sigilo, preocupa pessoas, órgãos do governo e, principalmente, empresas. Além disso, há outras questões, como o problema da dependência de acesso à internet: o que fazer quando a conexão cair?

Quanto à linguagem, vamos reforçar aqui o que já foi dito acima: sabendo que o público não é especializado em informática, o mais importante é evitar o uso de termos técnicos. Mas a formalidade deve estar presente, da mesma forma que nos outros dois gêneros.

Portanto, o gênero verbete, ainda que pareça estranho à primeira vista, acaba por se revelar bastante simples. Ainda acredito que a Unicamp poderia ter deixado de lado a historinha que explicava a gênese da ideia de escrever um verbete sobre computação em nuvem, mas talvez a intenção tenha sido justamente a de valorizar uma leitura ainda mais profunda, capaz de diferenciar os elementos fundamentais do gênero daqueles que só apareceram como contexto.

E você, o que achou da prova? Comente aqui.

Na próxima oportunidade, vamos conversar sobre o famigerado projeto de texto. Até lá.

A Redação na Unicamp 2012: Gênero 2 – Manifesto

http://www.comvest.unicamp.br/vest2012/F1/f12012QZ.pdf

O segundo tema pedia ao aluno que escrevesse um manifesto. Alguém poderia ver essa palavra e se desesperar, pensando “nunca escrevi isso, e agora?”. Mas muita calma. O mais importante (e quem tem aula comigo já se cansou de ouvir isso) não é conhecer de antemão o nome que a Unicamp usa para o gênero e sim entender as características pedidas na proposta. E nem sempre elas são características típicas (o tema que vamos ver agora é um exemplo dessa afirmação).

O tema começa com uma contextualização:

Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola que passou a monitorar as páginas de seus alunos em redes sociais da internet (como o Orkut, o Facebook e o Twitter), após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo.
Em função da polêmica provocada pelo monitoramento, você resolve escrever um manifesto e recebe o apoio de vários colegas. Juntos, decidem lê-lo na próxima reunião de pais e professores com a direção da escola.

Vamos analisar, então, o propósito do gênero; o candidato deveria:

• explicitar o evento que motivou a direção da escola a fazer o monitoramento;

• declarar e sustentar o que você e seus colegas defendem, convocando pais, professores e alunos a agir em conformidade com o proposto no documento.

Podemos dizer que se trata de um texto expositivo/narrativo, já que uma parte do propósito é relatar um evento que teria motivado a escola a iniciar um monitoramento das atividades dos alunos em redes sociais, e também opinativo/persuasivo, porque é necessário fazer uma proposta e convocar o público que ouve a leitura do documento a tomar uma atitude sugerida pelos autores.

Para cumprir bem esses dois pontos do propósito, você poderia, em primeiro lugar, se aproveitar do texto motivador. Lembre-se de que a função desses textos não é atrapalhar (mesmo que às vezes surja essa impressão), mas sim fornecer informações para que as pessoas que não conheciam o assunto de antemão tenham como escrever um bom texto sobre ele. Por isso, podemos dizer que ler bem a coletânea ou o texto motivador é muito mais importante que ‘adivinhar’ o tema.

No texto apresentado na proposta, havia três situações (na verdade eram quatro, mas duas eram muito parecidas) que poderiam ser utilizadas. Lembre-se de que, ao contextualizar a situação, o tema disse que a escola passou a monitorar os alunos “após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo”. Então, é lógico supor que a Unicamp espera dos candidatos o uso de um dos eventos desse texto. Seria possível inventar outro, não presente na matéria? Sim, mas, além de desnecessária, essa estratégia faz com que o candidato deixe de usar o texto motivador. E temos visto, nas redações corrigidas pela Unicamp, que as redações com notas mais altas têm usado bastante os elementos desses textos.

As situações descritas na matéria são as seguintes:

1: “Durante uma aula vaga em uma escola da Grande São Paulo, os alunos decidiram tirar fotos deitados em colchonetes deixados no pátio para a aula de educação física. Um deles colocou uma imagem no Facebook com uma legenda irônica, em que dizia: vejam as aulas que temos na escola. Uma professora viu a foto e avisou a diretora. Resultado: o aluno teve de apagá-la e todos levaram uma bronca.”;

2: Um casal foi suspenso por publicar uma foto em que eles se beijavam nas dependências da escola;

3 e 4: em duas escolas diferentes, alunos criaram comunidades virtuais em que havia troca de respostas de exercício pedidos pela escola. Em um dos casos, o aluno responsável pela página sofreu suspensão; no outro, os responsáveis não foram punidos e o evento levou a uma discussão sobre ética.

Não me parece que um dos eventos seja mais adequado à discussão que os demais. Qualquer um deles, e até uma combinação de dois ou mais, pode ser a causa do início do monitoramento. Mas vale notar que, enquanto os dois primeiros casos levaram a punições apenas por criar má publicidade para as escolas, os últimos levantam uma discussão sobre o uso das ferramentas virtuais para burlar as regras escolares.

A segunda parte do propósito seria elaborar uma proposta de ação. Não há indicações, no tema, de qual seria o teor exato dessa proposta; assim, podemos assumir que serão aceitas sugestões variadas, desde o fim do monitoramento por parte da escola até a abertura, na comunidade escolar, de discussões sobre privacidade e responsabilidade. Como não basta declarar, mas é necessário também sustentar uma posição, o candidato precisaria encontrar alguns argumentos para defender a proposta.

Importante: embora pareça óbvio que os estudantes iriam se posicionar contra o monitoramento, existe a possibilidade contrária. Nada impede que um grupo de estudantes, depois de observar a polêmica causada pelo monitoramento, tenha resolvido escrever um manifesto justamente para apoiar a atitude da escola, pois perceberam que talvez a instituição voltasse atrás devido às críticas feitas por outros alunos (quem tem acompanhado a polêmica da PM na USP deve ter percebido que estudantes não são sempre unânimes nas suas opiniões).

De qualquer forma, é aqui que se abre a maior possibilidade de autoria: os argumentos usados podem variar bastante, mas sempre têm que ser coerentes com a posição defendida pelo autor do texto e com a proposta escolhida.

Quanto à interlocução e à definição do autor e do interlocutor, note o que o tema pediu: “Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola”, com o termo ‘estudantes’ no plural. Essa característica, que, aliás, é comum em manifestos, permite concluir que o texto deve ser escrito em nome de um grupo de pessoas e não de um indivíduo. O início poderia ser algo do tipo “nós, estudantes do Colégio Tal, em face da polêmica criada pela decisão de...”; isso estabeleceria o autor como o grupo de estudantes e provavelmente seria o suficiente para cumprir essa parte da obrigação. O fato de o texto ser escrito em nome de um grupo também permitiria um uso um pouco menos freqüente das características particulares do autor. Não me parece condizente com o gênero escrever coisas como “eu, que gosto muito de História, notei uma semelhança entre a atitude da escola e a política repressora da Ditadura Militar”. Esse recurso, que é chamado máscara e consiste em mencionar características pessoais do autor que serão úteis para atingir o propósito do texto, faz menos sentido quando o autor não é um indivíduo.

Por fim, o meio e a linguagem: o tema diz que o manifesto deve ser escrito na modalidade oral formal e que deve ser lido em uma reunião entre pais, professores e direção da escola. Essas características aproximam muito o texto de um gênero cobrado no ano anterior, o discurso. Com a diferença, no entanto, de que o tema deste ano é opinativo/persuasivo, com um pouco de exposição e narração, enquanto o do ano passado era muito mais expositivo. Mas a situação de leitura do manifesto para uma plateia torna possível o uso de elementos de interlocução como a saudação e a despedida, e o fato de o propósito incluir a convocação dos ouvintes para agir de acordo com uma proposta faz com que a referência ao interlocutor seja ainda mais esperada nesse texto, especialmente no momento em que a proposta for explicitada. Imagino algo como “por isso, você, pais, conversem com seus filhos sobre a importância da responsabilidade ao postar conteúdo nas redes sociais”, ou “esperamos que vocês da direção respeitem nossa privacidade e busquem resolver os problemas que surgirem por meio do diálogo e não da imposição de regras unilaterais”.

Ainda sobre a linguagem, lembre-se de que oralidade não é sinônimo de informalidade; além de o tema ter afirmado explicitamente que é necessário escrever um texto formal, a própria situação de produção (uma reunião da escola) e o propósito de persuadir os interlocutores indicam a necessidade do uso de uma linguagem gramaticalmente correta e respeitadora da norma padrão.

O gênero 2, portanto, novamente valorizou a leitura atenta do candidato e o respeito às exigências da proposta, e ainda serviu como um argumento para uma tese que eu defendo sempre: o mais importante não é o nome usado para se referir ao gênero e sim as características dele que são apresentadas na proposta.

Infelizmente, o terceiro gênero não foi formulado de maneira tão clara quanto poderia, o que talvez tenha levado alguns candidatos a uma impressão errada. Mas vamos conferir os detalhes no próximo post.