Aqui vai o comentário sobre o segundo gênero pedido no vestibular Unicamp 2014 (o primeiro foi publicado ontem e pode ser lido neste link).
Mais uma vez, caiu uma carta como gênero na prova da
Unicamp. Este ano, foi escolhida a carta aberta, um gênero em que o autor se
dirige a uma figura pública (tipicamente, uma autoridade) fazendo uma crítica
ou solicitação. A diferença entre esse gênero e a carta argumentativa é que, na
carta aberta, há a publicação do texto, que se torna acessível a toda uma
comunidade. O autor da carta espera, assim, que o público faça pressão sobre a
autoridade, aumentando a eficácia do texto e a probabilidade de as reivindicações
serem atendidas (ou de a crítica ser sentida).
Veja a proposta abaixo ou na página da Comvest:
Como de costume nas provas da Unicamp, não basta saber o
nome do gênero: muito mais importante é entender as partes que o compõem e o
propósito específico desse gênero na situação colocada pela banca elaboradora. Vamos
entender então cada passo que compõe o gênero, seguindo a estrutura que eu já
comentei aqui diversas vezes:
1. O propósito:
O propósito principal da carta era a reivindicação de
ações consistentes para a melhoria da mobilidade urbana em uma cidade. É muito
provável, no entanto, que a banca não esteja esperando a conclusão
“reivindicamos ações consistentes”, mas sim uma sugestão específica de ação,
que poderia ser encontrada nos textos motivadores, especialmente no texto III
(por exemplo, nos trechos “aproximando os locais de moradia dos locais de
trabalho ou de acesso aos serviços essenciais”, “ampliando o modo coletivo e os
meios não motorizados de transporte” e “a ocupação dos vazios urbanos,
modificando-se, assim, os fatores geradores de viagens e diminuindo-se as
necessidades de deslocamentos, principalmente motorizados”).
2. O locutor:
A banca a pediu claramente que o candidato se colocasse
no lugar de membro de uma associação de moradores interessados na melhoria da
mobilidade urbana. Faz sentido supor, portanto, que as características
individuais desse autor sejam secundárias em relação às características da
associação (aparentemente, um costume da associação é se reunir e discutir
textos sobre mobilidade urbana, como indicado nos seguintes trechos do
enunciado: “uma associação de moradores de uma grande cidade se mobilizou,
buscou informações em textos e documentos variados” e “utilize também
informações apresentadas nos trechos abaixo, que foram lidos pelos membros da
associação”). No entanto, a natureza do gênero carta aberta e, mais ainda, a
especificidade da proposta feita pela Unicamp neste ano tornam a exploração de
características uma tarefa de importância reduzida em relação à argumentação e
à apresentação de uma proposta.
3. O interlocutor:
A carta deveria ser dirigida a autoridades municipais. Imagino
que a banca examinadora aceitará tanto essa denominação genérica quanto a
menção a alguma autoridade mais específica (duas autoridades possíveis seriam o
prefeito ou o secretário de transportes, por exemplo; o candidato deveria ter
cuidado, no entanto, para não dirigir o texto a alguma autoridade
extramunicipal, como a presidente ou o ministro dos Transportes). Para criar a imagem
dessa autoridade, apresentando vantagens que ela teria ao colocar em prática as
medidas propostas na carta, seria possível usar o texto II: um forte argumento
apresentado nesse texto é o de que a própria cidade tem um alto custo devido a
problemas de mobilidade urbana. Assim, o locutor poderia tornar a carta mais
convincente argumentando que suas propostas diminuirão esse custo.
4. O meio:
Esse provavelmente foi um dos aspectos que causou mais
dúvidas; isso porque a carta aberta é, historicamente, um texto jornalístico e,
portanto, necessita de título. No entanto, seguindo sua tradição de modificar
ligeiramente as características dos gêneros, a Unicamp explicitou que a carta
em questão seria divulgada por meio de redes sociais. Assim, a necessidade de
título tende a desaparecer. Da mesma forma, a carta aberta publicada em jornais
costuma não ter uma assinatura destacada. Mas a proposta da Unicamp pediu essa
assinatura (com as iniciais do remetente), o que indica a preferência por uma
estrutura clássica de carta, com cabeçalho, saudação, despedida e assinatura.
O mais provável é que ocorra neste ano o mesmo que
ocorreu com o comentário e com o manifesto na prova de 2012: naquele ano, a
Unicamp aceitou textos com e sem título, com e sem cabeçalho. Acreditamos que,
no vestibular de 2014, a Unicamp aceitará tanto as redações com formato
clássico de carta (“Campinas, 10 de novembro; Ao secretário de transportes...”)
quanto as que contêm título típico de carta aberta (“Carta aberta ao secretário
de transportes”).
5. A linguagem:
Sobre a linguagem, espera-se que o candidato escreva um
texto formal e que use interlocução, de modo a caracterizar a carta. A ausência
de interlocução será, provavelmente, uma falha muito mais grave do que a
ausência de aspectos formais, como o cabeçalho.
É isso que posso falar por enquanto. Ainda esta semana, a
Unicamp deve publicar a expectativa oficial da banca, que, nos últimos anos,
revelou-se muito pouco útil. Vamos ver se teremos alguma mudança este ano.
Até breve.
Professor, escrevi a carta usando a primeira pessoa do plural, na intenção de englobar toda a associação. E no fim assinei com minhas iniciais e acrescentei "e as associações de moradores". Eu imagino que serei penalizado por isso, mas o senhor acha que minha redação será anulada?
ResponderExcluirObrigado pela atenção e parabéns pelo excelente blog, me ajudou muito (:
Obrigado pelo elogio, espero continuar ajudando. Não acho que haverá penalização pelo uso da primeira pessoa do plural. No caso da assinatura, acredito que é possível haver algum problema porque a instrução dizia claramente para usar as iniciais; mas, na minha opinião, a penalidade (se houver) será pequena.
ResponderExcluirAbraço.
Ok! Muito obrigado, professor!
ResponderExcluirAbraço.
Infelizmente apesar de ter desenvolvido o texto corretamente e colocado a assinatura da maneira solicitada,deixei de colocar a data e destinatário,é possível que minha redação seja zerada?E caso não seja,perderei muitos pontos pelos erros crassos cometidos?
ResponderExcluirAcredito que não haverá anulação apenas por esse motivo. Quanto a perder pontos, isso não acontece a cada elemento deixado de fora da carta, mas sim pela falta de caracterização do texto como um todo. Ou seja, se faltou o cabeçalho, mas outros elementos indicam claramente que se trata de uma carta aberta, pode até ser que a falta de cabeçalho seja ignorada. Abraço.
ExcluirObrigado!
ExcluirOlá, fiz a redaçao da Unicamp 2014, mas me esqueci de colocar o título referente a carta aberta ou a demais cartas, assim iniciei a redaçao com "prezados senhores" e não usei toda a coletânea, citando exemplos ligados apenas ao segundo texto.Não sei se isso influenciaria na nota ou se levaria a anulaçao. Muito obrigada pelos comentarios, venho procurando desde a prova um professor que se preocupasse em esclarecer algumas duvidas pela internet e até agora só aqui encontrei.
ResponderExcluirOi, Jéssica. Obrigado pela participação e pelos elogios. Acredito que a ausência de título deve ser aceita, porque, embora normalmente a carta aberta tenha um título com a estrutura "carta aberta a...", o texto que foi pedido pela Unicamp seria veiculado em redes sociais e, portanto, tem uma estrutura mais livre. No entanto, se não havia título, deveria existir alguma outra indicação de que se trata de uma carta.
ExcluirUsar informações de toda a coletânea é desejável, mas não chega a ser obrigatório. Abraços.
Professor, fiz minha carta aberta com o a data e o vocativo na mesma linha e depois nao pulei linha para começar a carta. E coloquei o vocativo errado, desaa forma:
ResponderExcluir13 de novembro de 2013. Prezada população da internet,
Venho por meio desta...
o resto fiz tudo certinho só errei na data e no vocativo. Você acha que tem possibilidade de minha redação ser anulada ou tirada muitos pontos?
Agradeço desde ja a sua atenção e também quero elogiar seu blog pois foi o unico que encontrei inumeras informações e comentarios sobre essa prova. Muito obrigado, Abraço.
Deixar de pular linha não deve ser um problema: os examinadores provavelmente vão encarar essa atitude como uma tentativa de economia de espaço. Já o interlocutor da sua carta realmente está equivocado, já que ela deveria ser dirigida a autoridades municipais. Não é motivo suficiente para anulação, no entanto. Abraços e obrigado pelos comentários.
ExcluirOlá prof° no relatorio coloquei como publico alvo : comunidade em geral. Já na carta iniciei como carta aberta à população e no vocativo: Ao senhor prefeito e a Companhia municipal de trânsito. Gostaria de saber se estaria certo e obrigada por esclarecer algu, as dúvidas.
ResponderExcluirOi, Vanessa. Acredito que não há problema no relatório. Na carta, acredito que o seu interlocutor ficou um pouco indefinido, devido às indicações distintas no título e no vocativo. Isso pode prejudicar um pouco a nota, mas, se o texto deixar claro que o interlocutor são as autoridades municipais, é possível que o examinador deixe passar essa pequena incoerência. Obrigado pela participação e abraços.
ExcluirOlá professor, primeiramente parabéns pelo belo trabalho que vem desempenhando. Bom, eu gostaria de saber se nesta redação haveria possibilidades de escrevê-la em primeira pessoa do singular, uma vez que já me afirmei como membro da associação de moradores?, por exemplo "Eu, como membro da associação de moradores venho por meio desta carta eletrônica"
ResponderExcluirOi, Rogerio. Obrigado pela participação e pelos elogios. Acredito que seu uso da primeira pessoa do singular está correto (embora eu não defenda o uso da expressão "venho por meio desta" em cartas não-comerciais).
ExcluirAbraços.
Boa noite professor! Gostaria de saber como funciona a parte do cabeçalho para a Carta Aberta... Coloco por último, em uma linha separada, com data, como seria? Obrigada pela ajuda! Abraços
ResponderExcluirFiz uma redação para um concurso,onde pulei a primeira linha,escrevi o titulo,pulei a linha novamente,acrescentei uma linha no final,pois estava concluindo,serei desclassificada,se sim tem algum recurso q eu possa estar fazendo? obrigada.
ResponderExcluirThá e Anônimo, desculpem a demora.. Não tinha visto as perguntas. É o seguinte: Thá, a Carta Aberta não necessariamente tem cabeçalho. Pode haver um título no lugar ("Carta aberta a..."). Mas, se você fizer um cabeçalho tradicional (data, local e saudação), não deve haver nenhum problema.
ResponderExcluirAnônimo, imagino que o texto que você escreveu seja uma dissertação. Não acredito que tenha havido nenhum problema por você ter feito o que fez, mas teria que ler o edital e os critérios de correção desse concurso específico para ter certeza.