terça-feira, 4 de agosto de 2015

Maturidade




- Cara, preciso te falar uma coisa meio chata... 
- Que foi?
- É verdade que você comprou um livro de colorir?
- … 
- Sério, cara? Olha, faz um tempo que eu quero falar disso. Sabe que eu sou seu amigo, né? Estou só te dando um toque.
- Hmm, tá bom...
- É que você é muito infantil, véi! Não é só o negócio do livro. Lembra uma vez que eu entrei no seu carro e tava tocando “Plunct Plact Zum”?
- Mas essa música é muito legal! Raul Seixas, pô! 
- Não é esse o ponto. É que tudo que você faz é coisa de criança. Te chamei pra ir tomar uma com a galera semana passada e você não foi, né? Por quê?
- Concurso de cosplay.
- Ou seja, você foi se vestir de super-herói no meio de um monte de nerd virgem. Sua roupa era de quê? Homem-Aranha?
- Aranha Escarlate...
- Tá vendo? Coisa de criança, cara. Você já tem quase trinta! Não dá mais pra ficar assim. O que você faz de quarta à noite, que nunca foi no campo com a gente?
- Jogo videogame, ué. Você também joga.
- É, mas eu jogo Fifa. Jogo de homem. Não é essa coisa de criança que você curte. Super Mario eu jogava quando tinha oito anos! Minecraft é jogo que o meu filho joga, cara! Você não vê que tem um problema?
- Pode ser, sei lá.
- Estou falando pro seu bem. Me promete uma coisa: no próximo fim de semana você vai agir como um adulto. Depois a gente conversa.
- Tá bom.

(…)

- E aí, cara? Beleza?
- Tranquilo, e você?
- Também. Fez o que a gente combinou? 
- Fiz. Agi como um adulto esse fim de semana todo.
- E aí? Como foi?
- Bom, no sábado eu fui ao estádio, como você sempre fala. Me vesti de jogador de futebol, paguei caro, usei um banheiro muito sujo e fiquei no meio de um monte de adultos que passaram duas horas xingando outros adultos que torciam por um time diferente. Alguns foram brigar depois do jogo, mas não deu pra eu ir, porque tinha combinado uma balada. Fui a um bar muito cheio, em que mal dava pra se mexer, ouvi músicas com letras mais adultas, como “vai no banheiro pra gente se beijar” e “alakazam, alakazam, pode vir você e a sua irmã”; paguei muito caro pra entrar e pra me embebedar. Aí, ofereci tequila pra umas meninas pra ver se deixava alguma delas alcoolizada o suficiente pra querer fazer sexo comigo. No fim não deu certo, porque eu passei mal e acabei vomitando no banheiro. Então eu fui embora dirigindo, mas, como eu não sou moleque, antes eu entrei num grupo de Whatsapp que avisa onde tem blitz da Lei Seca.

No domingo eu fui almoçar com a minha família, ficamos vendo programas adultos na TV, como Faustão e Domigo Legal. Me emocionei com as histórias de vida das pessoas que vão ao programa da Eliana e descobri que a única coisa que torna uma pessoa bem sucedida é a fé. Discutimos muitos assuntos adultos sobre a vizinhança, criticamos as pessoas que bebem demais e perdem o controle e essa juventude que não tem mais respeito pelas tradições. Ficou evidente pra todo mundo que na nossa época é que era bom, porque a gente podia fumar em elevador e fazer piada de preto e de loira à vontade.
À noite, só me restou mesmo ver no Fantástico como o PT está acabando com o país e depois compartilhar umas imagens pelo Facebook expondo toda minha indignação. Fui dormir me sentindo muito mais maduro. Obrigado pelo toque, mudou minha vida.