quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Projeto de Texto Dissertativo Parte 2: Quatro Passos


Neste post (um pouco longo, é verdade), vamos ver os quatro passos necessários para elaborar o projeto de texto dissertativo. É importante lembrar que o método explicado aqui não é o único existente, mas é uma possibilidade que funciona bem e não é tão difícil de entender. Se você preferir, pode modificar o método e deixá-lo mais adequado ao seu estilo de escrita. Mas não deixe de fazer um projeto de texto, porque ele aumenta muito a qualidade final da redação.

Uma sugestão: se não tiver tempo ou ânimo neste momento, não precisa ler o post inteiro. Leia um passo de cada vez, de preferência tentando fazer um projeto de texto ao mesmo tempo. Dessa forma, você saberá muito mais claramente se entendeu o processo.

Projeto de texto não é o mesmo que rascunho: enquanto o rascunho tem um formato igual ao da redação final (ou seja, pode ser entregue a um corretor), o projeto só precisa ser compreendido pelo próprio autor. Pode ser escrito em tópicos, com abreviações e outros elementos que serão eliminados da versão final. E, o mais importante, sua ordem costuma ser inversa em relação ao texto definitivo.

Passo 1: Elaborar a tese


Se a tese é o que definirá todo o texto (pois os argumentos serão elaborados para prová-la), ela deve ser o primeiro elemento a ser definido. Digamos que sua tarefa seja a seguinte:

Com base na leitura dos textos motivadores seguintes e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma padrão da língua portuguesa sobre o tema VIVER EM REDE NO SÉCULO XXI: OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO, apresentando proposta de conscientização social que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.

É importante ler com atenção a proposta toda, não apenas o trecho em negrito. No caso do tema do ENEM, por exemplo, é necessário não apenas opinar sobre a vida em rede no século XXI, mas também apresentar “proposta de conscientização social que respeite os direitos humanos”. A tese que vamos elaborar será propositiva, portanto (em outro post, vou falar com mais calma sobre os vários tipos de tese). Vamos também tentar usar as palavras-chave do tema na tese (rede, século XXI, público e privado), porque isso aumenta a probabilidade de que a redação esteja adequada ao tema.

Logo após a leitura da coletânea, que pode ser encontrada no link a seguir (http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf), vamos definir uma opinião sobre esse assunto e escrevê-la em um espaço à parte da folha de redação. É importante notar que uma tese não é obrigatoriamente uma opinião “a favor de algo” ou “contra algo”; por exemplo, se o tema é “pena de morte no Brasil”, parece óbvio para a maioria das pessoas que a tese será a pena de morte deve ser adotada ou a pena de morte não deve existir. Porém, alguém poderia defender a tese de que adotar ou não a pena de morte não fará diferença. Essa tese pode funcionar tanto quanto as outras, desde que o autor ofereça argumentos para defendê-la durante o texto.

Vamos começar a elaborar a tese com uma ideia simples, pertencente ao senso comum e claramente exposta na coletânea:

As redes sociais são parte integrante da vida no século XXI

Se ficarmos com essa tese, agora a tarefa será provar que ela é verdadeira. Não é tão difícil, porque a própria coletânea oferece argumentos que justificam essa opinião (como o fato de 72% das pessoas pretenderem criar um perfil na rede, ou a afirmação de que não fazer parte de uma rede social hoje é como não ter telefone). Mas vamos tornar a tese um pouco mais complexa e, ao mesmo tempo, acrescentar a ela uma proposta de conscientização social. O modelo é o seguinte:

Como as redes sociais são parte integrante da vida no século XXI, é necessário...

Agora vamos pensar no que deve ser feito (se for para o ENEM, respeitando os direitos humanos, o que quer que isso signifique; minha sugestão é simplesmente evitar propostas muito polêmicas). A coletânea fala que a ONU reconheceu o direito de acesso à rede como algo fundamental para o ser humano. Pode ser uma proposta (os governos deveriam garantir o acesso das populações à rede). Outra pode ser encontrada no final do segundo excerto da coletânea: as pessoas devem tomar cuidado com o que publicam na internet, para não prejudicar suas reputações. Nada impede que as duas estejam presentes na tese, mas vamos escolher uma só, para deixar o exemplo mais simples e fácil de seguir.

Ao se elaborar uma proposta de intervenção, faz sentido pensar no seguinte: se a proposta for seguida, qual será a vantagem? Se não for seguida, qual será o prejuízo? Então, é possível mencionar a vantagem, o prejuízo ou ambos, como parte da tese ou como argumentos. No caso das redes sociais, vamos mencionar o possível prejuízo (a perda de privacidade) e a vantagem, que será a facilidade de comunicação.

Como as redes sociais são parte integrante da vida no século XXI, é necessário que as pessoas tenham cuidado ao usá-las, para poder aproveitar a comunicação mais ágil trazida por elas sem que haja perda de privacidade.

Agora, vamos incluir as palavras-chave que ficaram faltando (público e privado) e, se necessário, reescrever a tese para deixar as orações mais legíveis:

As redes sociais, parte integrante da vida no século XXI, trazem vantagens, como a facilidade de comunicação, mas também trazem riscos de perda de privacidade. Por isso, é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado.

Note que a tese acima não é a única possível e alguém poderia argumentar que nem é a melhor; mas ela serve bem à função que tem neste texto: exemplificar o processo de elaboração de uma dissertação.

Passo 2: Levantar Argumentos e Informações


Como deve ter ficado claro no passo anterior, uma tese pode ser composta de mais de uma afirmação (e, vale lembrar, nem sempre essa afirmação é “a favor de” ou “contra” algo). Cada uma dessas afirmações deve ser provada durante o texto, com argumentos e informações. Na maioria dos grandes vestibulares, provas e concursos (como Unicamp, USP, Unesp e ENEM), há uma coletânea de textos que contém diversas ideias e pode servir como auxílio nessa etapa.

Vimos no post anterior que os argumentos são justificativas para a tese, ou seja, ideias que ajudam a provar a veracidade da opinião do autor. No exemplo que estamos usando, temos que provar as seguintes afirmações:

a)      as redes sociais são parte integrante da vida no século XXI;
b)      as redes sociais trazem vantagens, como a facilidade de comunicação;
c)       as redes sociais trazem riscos de perda de privacidade;
d)      é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado

Portanto, vamos procurar argumentos e informações, na coletânea ou na vida real, que sustentem as afirmações feitas. Digamos que, após reler a coletânea e pensar um pouco, chegamos aos seguintes:

a) as redes sociais são parte integrante da vida no século XXI:
1) prova disso é que as pessoas no Brasil passam cerca de 20% do seu tempo online em redes sociais;
2) 72% dos internautas pretendem ter um perfil em redes sociais;
3) o filme “A Rede Social” mostra a importância do Facebook no mundo de hoje.

b) as redes sociais trazem vantagens, como a facilidade de comunicação:
1) é possível se comunicar com pessoas distantes;
2) é possível organizar mobilizações políticas;
3) as pessoas podem ficar menos alienadas, pois têm acesso a ideias que não aparecem na grande mídia.

c) as redes sociais causam o risco de perda de privacidade:
1) informações postadas nas redes podem chegar ao conhecimento de qualquer um, incluindo companheiros e empregadores;
2) assim como no livro 1984, de George Orwell, somos vigiados o tempo todo e não temos mais direito a uma vida privada;
3) crackers podem invadir os computadores e roubar informações importantes, como senhas de bancos.

d) é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado:
1) quem publica nas redes é o próprio usuário, portanto a responsabilidade é dele.


Passo 3: Selecionar Argumentos e Informações


Se você fez uma boa leitura da coletânea, é possível que tenha um número de argumentos e informações maior que o necessário. Portanto, será preciso fazer uma seleção. Esse é um dos momentos em que a presença do projeto de texto oferece uma enorme vantagem, pois permite que o autor escolha, conscientemente, as melhores ideias, ao invés de ficar preso às primeiras que lhe ocorrerem.

Um primeiro critério para escolher quais são os argumentos que devem constar na versão final da redação é o da irrefutabilidade: quanto mais irrefutável (ou seja, difícil de contra-argumentar) um argumento for, mais ele cumprirá sua função de defender a tese. Uma forma de escolher os argumentos, portanto, é tentar derrubá-los com contra-argumentos e verificar quais são os que sobrevivem ao processo. Iremos, como exemplo, tentar contra-argumentar um dos argumentos levantados no passo anterior:

Argumento: As redes sociais são parte integrante da vida no século XXI: prova disso é que as pessoas no Brasil passam cerca de 20% do seu tempo online em redes sociais.
Contra-argumento: o número de pessoas com acesso à internet no Brasil é pequeno. A maioria dos brasileiros não usa redes sociais.

Se todos os argumentos em que você pensou puderem ser rebatidos, não se desanime. Dificilmente haverá um argumento completamente irrefutável. O que você pode fazer para melhorá-los é reescrever seus argumentos levando em conta a possível contra-argumentação que ele devem enfrentar. Por exemplo, vamos reformular o primeiro argumento para que ele fique mais forte e resista ao seu contra-argumento mais comum:

Argumento a1) reformulado:

as redes sociais são, cada vez mais, parte integrante da vida no século XXI; prova disso é que as pessoas no Brasil passam cerca de 20% do seu tempo online em redes sociais. É verdade que nem todos usam a internet, mas a tendência é que o acesso à rede seja cada vez mais universal e necessário, tanto que a ONU já o classifica como direito fundamental do ser humano.

Ainda é possível discordar desse argumento, mas ele já está mais bem elaborado que a sua primeira encarnação. Normalmente, argumentos mais irrefutáveis terão de ser bem explicados e por isso vão gastar mais espaço. Por esse motivo, é importante selecionar alguns para receber esse tratamento, e não tentar encaixar todos os argumentos imaginados no espaço do texto sacrificando para isso sua qualidade.

No exemplo acima, será eliminado, entre outros, o argumento que fala sobre os crackers. Vamos fazer isso para não ter que explicar o que é um cracker e porque a proposta que estamos usando na tese está mais voltada à perda de privacidade causada pelo próprio usuário, não àquela causada por invasores. Os outros argumentos sairão principalmente por falta de espaço.

Passo 4: Ordenar


Ordenar uma dissertação é dividi-la em introdução, desenvolvimento e conclusão. O projeto de texto deve ter, até esse momento, uma tese, alguns argumentos e informações. Então, não será difícil distribuir esses elementos para formar uma dissertação coerente. Veremos com mais detalhes como elaborar cada uma das partes da dissertação em uma postagem futura, mas aqui vai um resumo.

Em primeiro lugar, a introdução deve apresentar o tema ao leitor. Deve ficar claro para o leitor qual será o assunto discutido na redação.

Importante: Embora muitos defendam que a tese deve ser exposta na introdução, isso não é necessário (e pode até mesmo prejudicar o texto, como veremos no futuro). Lembre-se de um dos primeiros posts deste blog (http://temqueportitulo.blogspot.com/2011/11/de-onde-vem-as-lendas-de-redacao-parte_1170.html), em que eu mencionei o fato de que muitos professores criam regras baseados apenas em seus próprios preconceitos e opiniões, e passam essas leis aos alunos como se elas fizessem sentido. Uma dessas regras é justamente a de que toda introdução deve conter a tese. A verdade é que a introdução do texto dissertativo-argumentativo deve conter o tema; a tese pode aparecer nesse momento ou não. Recomendo fortemente o uso da tese na conclusão, mas, como essa é uma questão um pouco mais complexa, vou deixá-la para depois.

Vamos usar aqui no nosso projeto uma introdução indutiva, que parte de um fato específico e o usa como exemplo para chegar ao tema mais geral. No caso, o filme “A Rede Social”, citado anteriormente:

“O sucesso do filme “A Rede Social”, que conta a conturbada história por trás da criação da rede Facebook, chamou a atenção de muitos para um fenômeno da comunicação moderna: as redes sociais virtuais, em que milhares de pessoas compartilham suas informações, trocam ideias e até mesmo se engajam em movimentos políticos.”


Entre outras possibilidades se encontram a introdução dedutiva, interrogativa ou histórica, de que eu também vou falar em outro momento (eu sei que estou prometendo muita coisa pro futuro, mas não dá para condensar um curso de redação inteiro em um post!). Dito isso, vamos ao desenvolvimento.

O desenvolvimento é a parte em que aparecem os argumentos e as informações; uma boa ordem para apresentá-los é começar pelos menos discutíveis e seguir até os mais discutíveis. Assim, será mais fácil obter a concordância do leitor, pois ele irá encontrar primeiro argumentos que não o levarão a questionar o texto. Além disso, pode-se fazer com que os primeiros argumentos sirvam de base para os últimos, deixando-os mais fortes.

Vejamos como vão ficar nossos argumentos, ordenados e reescritos para melhorar a coesão textual (a ligação entre os elementos do texto):

“Essas redes são, cada vez mais, parte integrante da vida no século XXI: prova disso é que as pessoas no Brasil passam cerca de 20% do seu tempo online em redes sociais. É verdade que tais números se referem apenas a uma parcela da população, já que nem todos os brasileiros usam a internet. No entanto, a tendência é que o acesso à rede mundial de computadores seja cada vez mais universal e importante, tanto que a ONU já o classifica como direito fundamental do ser humano.

Nem todos enxergam essa expansão de forma positiva: muitos afirmam que, dada a onipresença da internet e das câmeras na sociedade, perdemos os limites entre o público e o privado. Como no livro “1984”, de George Orwell, viveríamos em um mundo controlado por um Grande Irmão, sem direito a vida particular, e a única solução seria nos recolhermos e abandonar a vida em rede. No entanto, essa visão ignora as possíveis vantagens das redes sociais, como a comunicação com pessoas distantes e a possibilidade de mobilização social, que podem até mesmo servir como um antídoto para a alienação imposta pela grande mídia.”

Por fim, a conclusão deve apresentar ou retomar a tese (no caso de ela já ter sido apresentada). É possível, na conclusão, retomar também um ou dois argumentos mais importantes, mas é preciso tomar cuidado para não tornar o texto repetitivo. Para isso, basta explicar o argumento quando ele aparece pela primeira vez, no desenvolvimento, e depois, na conclusão, apenas mencioná-lo, sem explicar novamente. Como no nosso exemplo o tema exige uma proposta de intervenção, esta também deve estar presente:

“As redes sociais, parte integrante da vida no século XXI, trazem vantagens, como a facilidade de comunicação, mas também trazem riscos de perda de privacidade. Por isso, é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado. Os usuários precisam ser cuidadosos com o que publicam e devem evitar, por exemplo, postar ideias que não falariam em público”


O título não é sempre obrigatório, mas vamos criar um aqui para exemplificar. O motivo para criar o título na última etapa do projeto é justamente a possibilidade de ler o texto inteiro e depois elaborar um título que seja coerente com ele. Como nosso texto fala sobre vantagens e desvantagens da vida em rede, é possível usar esses conceitos no título:

As vantagens e os riscos das redes sociais

Outra possibilidade é a elaboração de uma metáfora, talvez ligada a alguma obra literária ou cinematográfica, que faça referência às ideias da tese:

Redes sociais: a vida sob o olhar do Grande Irmão

No exemplo acima, foi usado o Grande Irmão, em referência ao livro 1984, de George Orwell, citado também no terceiro parágrafo do desenvolvimento. Para aumentar a ligação entre título e tese, vamos também reformular a conclusão, acrescentando outra referência ao livro:

“As redes sociais, parte integrante da vida no século XXI, trazem vantagens, como a facilidade de comunicação, mas também trazem riscos de perda de privacidade. Por isso, é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado. Os usuários precisam ser cuidadosos com o que publicam e devem evitar, por exemplo, postar ideias que não falariam em público. Dessa forma, será possível aproveitar a comunicação moderna em rede sem temer o olhar impiedoso do Grande Irmão.”

Veja como ficou a versão final do texto:

Redes sociais: a vida sob o olhar do Grande Irmão

O filme “A Rede Social”, que conta a história por trás da criação da rede Facebook, chamou a atenção de muitos para um fenômeno da comunicação moderna: as redes sociais virtuais, em que milhares de pessoas compartilham informações, trocam ideias e até mesmo se engajam em movimentos políticos.

Essas redes são, cada vez mais, parte integrante da vida no século XXI: prova disso é que as pessoas no Brasil passam cerca de 20% do seu tempo online em redes sociais. É verdade que tais números se referem apenas a uma parcela da população, já que nem todos os brasileiros usam a internet. Porém, a tendência é que o acesso à rede mundial de computadores seja cada vez mais universal e importante, tanto que a ONU já o classifica como direito fundamental do ser humano.

Nem todos enxergam essa expansão de forma positiva: muitos afirmam que, dada a onipresença da internet e das câmeras na sociedade, perdemos os limites entre o público e o privado. Como no livro “1984”, de George Orwell, viveríamos em um mundo controlado por um Grande Irmão, sem direito a vida particular, e a única solução seria nos recolhermos e abandonar a vida em rede. No entanto, essa visão ignora as possíveis vantagens das redes sociais, como a comunicação com pessoas distantes e a possibilidade de mobilização social, que podem até mesmo servir como um antídoto para a alienação imposta pela grande mídia.

As redes sociais, parte integrante da vida no século XXI, trazem vantagens, como a facilidade de comunicação, mas também trazem riscos de perda de privacidade. Por isso, é necessário que as pessoas, ao usar essas redes, tenham clara consciência dos limites entre público e privado. Os usuários precisam ser cuidadosos com o que publicam e devem evitar, por exemplo, postar ideias que não falariam em público. Dessa forma, será possível aproveitar a comunicação moderna em rede sem temer o olhar impiedoso do Grande Irmão.

O propósito deste exercício não foi elaborar o texto perfeito, mas sim escrever uma redação simples que servisse para exemplificar os passos de um projeto de texto. Se ficaram dúvidas, não deixe de postá-las nos comentários. Mas, acima de tudo, comece o mais rápido possível a escrever redações usando o projeto de texto (mesmo que não exatamente como descrito aqui). Uma redação boa, escrita sem projeto de texto, pode ser obra do acaso; uma redação ruim escrita com projeto de texto é um primeiro passo na direção correta.

Feliz 2012 e até a próxima postagem!

Projeto de Texto Dissertativo Parte 1: Elementos da Dissertação


Ano novo, vida nova... se alguma de suas resoluções para 2012 inclui melhorar a sua escrita, este post pode se um bom lugar para começar. Vou explicar, como prometido já há algum tempo, o funcionamento um projeto de texto. Não é possível, na verdade, falar de todos os projetos de texto em um mesmo post, por isso resolvi começar com o tipo de texto mais pedido em provas e vestibulares: a dissertação argumentativa.

Para começar, é fundamental saber quais são as características do texto que você vai escrever, especialmente o propósito. No caso da dissertação, sabemos que é um texto argumentativo, ou seja, que apresenta argumentos em defesa de uma tese. Podemos dizer, portanto, que o propósito da dissertação é provar uma tese, ou seja, convencer o leitor de que a opinião do autor é verdadeira. Os argumentos são as justificativas para a tese: os motivos que o autor tem para acreditar que a tese é verdadeira.

Embora seja mais comum usar o termo argumentação para falar sobre o processo de defender uma opinião, há um outro elemento que tem a mesma função: a informação. A diferença é que o argumento sempre envolve um julgamento, enquanto a informação é verificável objetivamente.

Vamos exemplificar: imagine que você está acompanhado de alguns amigos e todos se dirigem ao mesmo local. Digamos, no espírito das férias de verão, que estão todos indo à praia, a pé. Você e um de seus amigos conhecem a cidade, mas os outros não. Você percebe que a praia está muito longe, que o sol está muito forte e que vocês vão todos derreter antes de chegar ao mar. Então, você elabora uma tese: “a gente devia tomar um ônibus”. 

Por que isso é uma tese? Porque é sua opinião e porque você vai tentar provar para seus amigos que ela é verdadeira. Tudo o que você fizer nos próximos minutos deve ter esse propósito em vista: convencer outras pessoas a ir à praia de ônibus, e não a pé.

Se você falar “vamos de ônibus” e todos concordarem, ótimo. Mas quem já teve que tomar decisões em grupo sabe que a vida raramente é tão simples. Portanto, vamos supor que o seu amigo que também conhece a cidade diz algo do tipo “não vale a pena, vamos a pé mesmo.” Agora, você vai ter que argumentar, ou seja, justificar sua opinião. Algumas possibilidades:

- a praia fica muito longe
- o sol está muito forte
- vamos economizar tempo indo de ônibus

Cada uma dessas novas ideias é um argumento, pois todas têm como meta provar a opinião original. Você pode escolher algumas ou usar todas: depende de variáveis como quanto tempo você pretende gastar na discussão, quem é o seu público e quais são os contra-argumentos que podem aparecer.

Digamos que você use o argumento “a praia fica muito longe”. Mas seu amigo, que é maratonista, diz: “é nada, fica ali pertinho”. Nesse caso, a argumentação chegou a um impasse, pois seus outros amigos não sabem em quem acreditar. Mas a verdade é que os conceitos de ‘perto’ e ‘longe’ são muito dependentes de julgamento. Isso quer dizer que uma pessoa pode achar que um lugar está perto e outra achar que o mesmo lugar está muito longe. Não há como, portanto, resolver a questão sem usar um recurso diferente. Você pode dar um novo argumento ou pode reforçar seu argumento original com uma informação. Vamos optar pela segunda alternativa.

Uma informação, ao contrário de um argumento, não envolve julgamento. Ela pode ser verificada objetivamente, sem depender da opinião de ninguém. Você diz, por exemplo: “a praia fica a 10 km”. Agora, você reforçou seu argumento, porque tem um fato para sustentá-lo. É provável que seus amigos digam algo como “10 quilômetros?! Então é longe pra caraca! Vamos de busão”. É claro que, se a distância na verdade for 1 km, essa informação não vai ser muito útil e você ainda vai ser chamado de frouxo. Nesse caso, melhor não usar o argumento da distância, que seria derrubado muito facilmente.
Daí, aliás, a importância de elaborar um projeto de texto antes de começar uma redação.

Resumindo os elementos da dissertação:

Tese (opinião sobre o tema): devemos tomar um ônibus até a praia
Argumentos (justificativas para a tese): a praia fica muito longe daqui
Informações (fatos verificáveis que sustentam a tese ou os argumentos): a praia fica a 10 km daqui

No exemplo acima, eu usei um pequeno golpe para deixar a situação mais compreensível: coloquei a argumentação entre amigos próximos. Na verdade, quando se escreve uma dissertação para uma prova ou concurso, não é assim que funciona. O texto dissertativo tem o que chamamos de autor impessoal. Isso quer dizer que, quando você escreve uma dissertação, não deve se revelar no texto; não é recomendável usar a primeira pessoa do singular (“eu”) e não é válido usar características e experiências pessoais nos argumentos (você não deve dizer algo como “em minha vida, sempre observei que isso acontece” nem “eu trabalho nessa área, por isso eu sei que isso é verdade”). 

O interlocutor do texto dissertativo também não é, normalmente, um amigo seu (mas, se você praticar e planejar bem seu texto, ele vai acabar virando seu admirador). O interlocutor é classificado como genérico ou universal. Em teoria, o texto dissertativo deveria ser compreensível e convincente para qualquer leitor. Sabemos que isso é impossível, mas você, como autor do texto, ainda deve ter em mente que seu alvo é um leitor médio, não um professor de Redação: um erro muito comum é imaginar que o alvo de uma dissertação é o professor ou o corretor que vai avaliar o texto. Quando pensa nesse interlocutor, o aluno muitas vezes escreve um texto que exige, para sua compreensão, um conhecimento específico que o professor pode até possuir, mas o público em geral não. Assim, mesmo que a redação seja compreendida pelo avaliador, talvez ela não esteja adequada, pois não atinge o leitor médio.

Concluímos até aqui que a dissertação é um texto em que um autor impessoal tenta provar uma tese para um leitor genérico, por meio de argumentos e informações. No próximo post, vou falar dos passos necessários para elaborar o projeto.