Leia com atenção o texto
abaixo:
Em novembro último, um parecer
do Conselho Nacional de Educação recomendou que, para ser adquirida pelo MEC
(com dinheiro público, portanto), distribuída a escolas públicas e apresentada
em sala de aula, a obra "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, deveria
ser "contextualizada", já que continha uma série de expressões
racistas dirigidas à personagem Tia Nastácia ("negra suja",
"negra beiçuda", "macaca de carvão") pela simpática boneca
Emília.
A grande imprensa, contudo,
dando continuidade a uma prática que vem sendo amplamente adotada na cobertura
da discussão sobre ação afirmativa e cotas na universidade, prontamente
traduziu "contextualização" em "veto" e
"censura". Com base nesses termos, e sem se dar ao trabalho de ler o
parecer, intelectuais respeitáveis acorreram em defesa do festejado autor,
supostamente ameaçado por fanáticos da correção política. Desnecessário
acrescentar que intelectuais igualmente respeitáveis, mas com opiniões opostas,
não tiveram vez no "debate".
Foi nesse clima que o cartunista
Ziraldo resolveu ilustrar a camiseta do bloco carnavalesco Que Merda É Essa com
um desenho de Lobato, com cara de quem não está entendendo nada, abraçado a uma
mulata. Em entrevista, Ziraldo pontificou: "Racismo sem ódio não é
racismo". A posição de Ziraldo foi rebatida numa Carta Aberta a ele
dirigida pela escritora Ana Maria Gonçalves em que esta apresenta uma série de
manifestações racistas do próprio Lobato, algumas delas surpreendentes, mesmo
para os padrões da época em que foram escritas, como o lamento pela ausência de
uma Ku-Klux-Klan em nosso país. Mostra-nos ela que Lobato era um militante da
eugenia, pseudociência associada às raízes do nazismo, que segundo ele deveria
ser difundida sutilmente pela escrita. As expressões racistas de Lobato foram
bloqueadas pela grande imprensa, no afã antiético de manipular a opinião dos
leitores, só vindo à tona graças ao jornalista Arnaldo Bloch, que publicou
algumas delas em sua página Logo, do jornal O Globo. Os defensores ardorosos de
Lobato, contudo, ou assumiram a postura do avestruz, negando-se a considerar
aquilo que o próprio Lobato pensava sobre o tema de raça, ou procuraram –
procuram – justificá-lo pelo contexto histórico. (...)
Toda essa polêmica constitui
uma oportunidade ímpar para uma reflexão sobre a questão de raça no Brasil. Num
paper apresentado num seminário sobre o papel da mídia nessa discussão, e
depois publicado no Observatório da Imprensa, Muniz Sodré apresenta o seu
diagnóstico sobre o comportamento de muitos brancos brasileiros, e particularmente
de muitos intelectuais, diante da forma como o problema tem sido tratado nos
últimos tempos: "nostalgia da escravidão". A reação irada ao incômodo
que é ver questionados não apenas seus próprios comportamentos e atitudes, mas
o status quo que sempre lhes garantiu uma posição privilegiada numa sociedade
em que a cor alva da pele é garantia de valiosos privilégios, tanto materiais
quanto simbólicos. O que essas pessoas não se deram conta é de que há algo de
novo na paisagem intelectual e política brasileira. De simples objetos de
estudo, um número considerável de negros trocou de posição no microscópio,
passando a observar criticamente a sociedade e a produzir textos sobre o tema
de raça, frequentemente legitimados pelos ritos acadêmicos. Vem se produzindo e
divulgando, assim, uma visão que parte de outra perspectiva, a dos que se
encontram na extremidade "receptiva" da discriminação e do racismo,
para não só apontar problemas que até ontem se ocultavam sob o manto da
"democracia racial" como sugerir medidas capazes de amenizá-los e,
com o tempo, eliminá-los. A concretização de algumas dessas ideias, com o
indispensável apoio de setores mais sensíveis da elite branca, tem provocado,
em paralelo, reações muitas vezes irracionais, como algumas das que discutimos
neste texto. (...)
Fox News da grande mídia
brasileira e de seus leitores acríticos, denominada honestidade intelectual.
Ao desnaturalizar manifestações
racistas profundamente entranhadas em nossa sociedade, a ponto de fazerem parte
daquilo que Bourdieu chamava de habitus – atitudes e comportamentos
pré-reflexivos, transmitidos, aprendidos e reproduzidos inconscientemente (como
o costume de chamar de "negão" um homem negro desconhecido, sem se
preocupar com a possível reação do interpelado) –, os negros antirracistas e
seus aliados brancos perturbam a falsa harmonia baseada em relações de
superioridade/inferioridade quotidianamente reforçadas, no plano simbólico,
pela linguagem. A esse propósito, Joel Rufino dos Santos relatou, em seu livro "O
que é racismo?", um episódio revelador. Reproduzo de memória. Estava ele
num estádio assistindo a uma partida de futebol quando um jogador negro fez uma
jogada errada e alguém gritou: "Crioulo filho..." Como de hábito,
isso não provocou nenhuma reação. Foi "natural". Joel esperou até que
um jogador branco cometesse um erro e replicou: "Branco filho...!" Aí
se instaurou o mal-estar. Um sujeito, então, aproximou-se dele e esclareceu:
"Fui eu que gritei aquilo, mas não sou racista. Sou oficial do
Exército." Joel esperou até outra manifestação "natural” antinegro
ocorresse, o que não demorou muito, e comentou em voz alta: "Outro oficial
do Exército."
(http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/dossie-monteiro-lobato/9208-lobato-e-racismo)
Pois é, como vemos nesta
discussão, há por aí uma quantidade enorme de oficiais do Exército.
Após ter lido atentamente o texto acima, escreva um texto
dissertativo, de até 30 linhas, sobre o seguinte tema:
O racismo no Brasil.
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