sábado, 9 de janeiro de 2016

“Adorei o tema da redação, mas minha nota foi baixa. Não entendo!!!”

Depois de ver alguns posts em redes sociais com esse tipo de reclamação (https://www.facebook.com/forafeminismo2/posts/990699354346866), resolvi tentar ajudar as pessoas que estão chocadas com a aparente injustiça que é ter uma nota ruim em um tema que elas supostamente dominam. Com sorte, dá tempo de mudar o pensamento delas sobre redação antes que elas cometam o mesmo erro na Fuvest e na Unicamp.


 Redação mede a capacidade de escrever, não o alinhamento a alguma ideologia:

O tema do ENEM, na minha opinião, foi muito interessante por fazer as pessoas pensarem sobre a violência contra a mulher. O problema (e já deu pra perceber isso na semana seguinte à prova) foi que muita gente entendeu o tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” como se fosse “Por que o feminismo é a solução de todos os problemas do mundo”. Ao contrário do que disseram muitos comentaristas de Facebook, ninguém tinha que escrever “um textão feminista” para ir bem nessa prova.

Excesso de emoção dificilmente ajuda a escrever uma boa dissertação:

O tipo de texto dissertativo tem o propósito de convencer um público universal por meio de argumentos lógicos. Se você gostou tanto do tema que teve até que sair da sala para chorar, isso é indício de uma relação muito pessoal com o assunto. No entanto, a dissertação é impessoal. Então, alguém que não se importa muito com o tema, mas praticou bastante e fez um planejamento cuidadoso, deve ter um resultado melhor que o seu.

É difícil dar nota a um texto que você mesmo escreveu:

Tudo bem, você pode sair da prova com a impressão de que fez um texto bom, mas a verdade é que os corretores de redação têm um treinamento muito longo e complexo para poder atribuir a pontuação a um texto. Se você sai da prova animado e escreve “axo q mitei na redação muito daora partiu medicina 2016”, o mais provável é que você não tenha o treinamento e a experiência necessários para calcular qual nota você deveria receber. Então, quando a nota for diferente da esperada, isso significa que a previsão estava equivocada, não que há um complô do INEP para prejudicar seu futuro.

É isso por hoje. Se você tiver mais algum motivo para achar que sua nota foi injusta, pode perguntar e eu tento responder.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Maturidade




- Cara, preciso te falar uma coisa meio chata... 
- Que foi?
- É verdade que você comprou um livro de colorir?
- … 
- Sério, cara? Olha, faz um tempo que eu quero falar disso. Sabe que eu sou seu amigo, né? Estou só te dando um toque.
- Hmm, tá bom...
- É que você é muito infantil, véi! Não é só o negócio do livro. Lembra uma vez que eu entrei no seu carro e tava tocando “Plunct Plact Zum”?
- Mas essa música é muito legal! Raul Seixas, pô! 
- Não é esse o ponto. É que tudo que você faz é coisa de criança. Te chamei pra ir tomar uma com a galera semana passada e você não foi, né? Por quê?
- Concurso de cosplay.
- Ou seja, você foi se vestir de super-herói no meio de um monte de nerd virgem. Sua roupa era de quê? Homem-Aranha?
- Aranha Escarlate...
- Tá vendo? Coisa de criança, cara. Você já tem quase trinta! Não dá mais pra ficar assim. O que você faz de quarta à noite, que nunca foi no campo com a gente?
- Jogo videogame, ué. Você também joga.
- É, mas eu jogo Fifa. Jogo de homem. Não é essa coisa de criança que você curte. Super Mario eu jogava quando tinha oito anos! Minecraft é jogo que o meu filho joga, cara! Você não vê que tem um problema?
- Pode ser, sei lá.
- Estou falando pro seu bem. Me promete uma coisa: no próximo fim de semana você vai agir como um adulto. Depois a gente conversa.
- Tá bom.

(…)

- E aí, cara? Beleza?
- Tranquilo, e você?
- Também. Fez o que a gente combinou? 
- Fiz. Agi como um adulto esse fim de semana todo.
- E aí? Como foi?
- Bom, no sábado eu fui ao estádio, como você sempre fala. Me vesti de jogador de futebol, paguei caro, usei um banheiro muito sujo e fiquei no meio de um monte de adultos que passaram duas horas xingando outros adultos que torciam por um time diferente. Alguns foram brigar depois do jogo, mas não deu pra eu ir, porque tinha combinado uma balada. Fui a um bar muito cheio, em que mal dava pra se mexer, ouvi músicas com letras mais adultas, como “vai no banheiro pra gente se beijar” e “alakazam, alakazam, pode vir você e a sua irmã”; paguei muito caro pra entrar e pra me embebedar. Aí, ofereci tequila pra umas meninas pra ver se deixava alguma delas alcoolizada o suficiente pra querer fazer sexo comigo. No fim não deu certo, porque eu passei mal e acabei vomitando no banheiro. Então eu fui embora dirigindo, mas, como eu não sou moleque, antes eu entrei num grupo de Whatsapp que avisa onde tem blitz da Lei Seca.

No domingo eu fui almoçar com a minha família, ficamos vendo programas adultos na TV, como Faustão e Domigo Legal. Me emocionei com as histórias de vida das pessoas que vão ao programa da Eliana e descobri que a única coisa que torna uma pessoa bem sucedida é a fé. Discutimos muitos assuntos adultos sobre a vizinhança, criticamos as pessoas que bebem demais e perdem o controle e essa juventude que não tem mais respeito pelas tradições. Ficou evidente pra todo mundo que na nossa época é que era bom, porque a gente podia fumar em elevador e fazer piada de preto e de loira à vontade.
À noite, só me restou mesmo ver no Fantástico como o PT está acabando com o país e depois compartilhar umas imagens pelo Facebook expondo toda minha indignação. Fui dormir me sentindo muito mais maduro. Obrigado pelo toque, mudou minha vida.

domingo, 26 de julho de 2015

Como elaborar uma tese para a dissertação argumentativa



Já mencionei mais de uma vez a importância de fazer um projeto de texto antes de escrever qualquer redação. No caso de uma dissertação, o primeiro passo desse projeto é elaborar a tese. Agora, vou detalhar um pouco mais esse processo de elaborar a tese para um texto dissertativo.

1. O que é a tese?

Em primeiro lugar, a tese é a opinião do autor sobre o tema. Leia a proposta e se pergunte: “o que eu acho disso?”. É provável que a resposta a que você vai chegar possa ser usada como tese no seu texto. Por exemplo, se o tema é maioridade penal e você acha que essa medida é positiva (você acredita que ela vai diminuir a violência, por exemplo), sua tese pode ser “a maioridade penal deve ser reduzida no Brasil”.
Em segundo lugar, a tese é a ideia a ser defendida durante o texto. Isso quer dizer que, em uma dissertação argumentativa, todas as ideias servem para fazer a tese parecer mais verdadeira. Imagine, por exemplo, uma redação que contenha as duas ideias a seguir:

  • a publicidade pode levar ao consumismo;
  • a publicidade infantil deve ser regulamentada.
Qual delas tema a maior probabilidade de ser a tese? Se você respondeu a segunda, muito bem. Mas por quê? Por um motivo simples: qualquer uma das duas ideias poderia ser usada como tese em um texto dissertativo-argumentativo. No entanto, eu disse antes que ambas as ideias estão presentes no mesmo texto. Nesse caso, nós devemos levar em conta que a primeira ideia serve como uma forma de provar a segunda (o fato de a publicidade levar ao consumismo é um motivo para que ela seja regulamentada). Logo, a segunda é a tese; a primeira é um argumento.

Por fim, toda tese deve ter o formato de uma oração declarativa. A tese deve ter um sintagma verbal (caso contrário, não é uma oração) e deve fazer uma afirmação ou uma negação. Veja os exemplos abaixo:

  • A natureza” - não é uma tese (não é uma oração)
  • Defender a natureza” - não é uma tese (não tem um sintagma verbal; embora tenha um verbo, ele está em uma forma nominal, o infinitivo)
  • É preciso defender a natureza?” - não é uma tese (é uma oração, mas é interrogativa, não declarativa)
  • É preciso defender a natureza” - é uma tese (finalmente!)
Resumindo até agora: se você escrever uma oração declarativa que contenha sua opinião sobre o tema e que possa ser defendida com argumentos, então você tem uma tese.

2. Existem teses certas e teses erradas?

Resposta curta: não! Resposta longa: uma ideia muito difundida entre estudantes é a de que os corretores dos grandes vestibulares brasileiros esperam uma determinada opinião das redações e, por isso, defender uma tese diferente da esperada pela banca levaria o candidato a ser penalizado. Em vestibulares sérios, isso simplesmente não é verdade. Ou seja, não há teses corretas nem erradas: qualquer opinião pode ser defendida, desde que haja no texto argumentos fortes e bem construídos para tal.

Uma exceção parcial é o ENEM: nessa prova, os corretores são orientados a levar em conta o respeito aos direitos humanos. O problema é que não fica muito claro quais direitos devem ser priorizados quando houver um conflito. Um exemplo é a eterna polêmica do aborto: deve prevalecer o direito do feto à vida ou o direito da mãe à escolha? Qual dessas opções respeita os direitos humanos?

Felizmente, o ENEM não tem o costume de colocar os alunos nesse tipo de sinuca. Na maioria dos casos, fica claro o tipo de tese que não deve ser defendida: evite sugestões muito radicais, como expulsar todos os imigrantes do país ou punir motoristas alcoolizados com a pena de morte.

3. Existem teses boas e teses ruins?

Resposta curta: sim! Resposta longa: quando você escreve uma dissertação para uma prova, mais importante do que mostrar que você tem razão em uma tese específica é mostrar que você sabe argumentar. Se você escolher uma tese muito óbvia, pertencente ao senso comum, talvez até consiga demonstrar, sem sombra de dúvida, que ela está correta (se sua tese é “a violência é ruim”, poucas pessoas irão discordar).

No entanto, defender uma tese óbvia não dá a oportunidade de mostrar toda a sua capacidade argumentativa. Portanto, uma tese boa não pode pertencer ao senso comum. Não pode ser óbvia, vaga ou uma mera reprodução da sabedoria popular. Precisa ser algo que mostre uma análise mais aprofundada do assunto, que revele um conhecimento maior que o da média sobre o tema. Por exemplo, suponha o tema “mobilidade urbana”:

Tese ruim: a mobilidade urbana é importante.

Tese melhor: a mobilidade urbana deve ser garantida por meio de investimentos em transporte público de qualidade.

A segunda tese é melhor que a primeira porque é mais específica e demonstra que o autor pensou sobre o assunto. Não é necessariamente uma tese perfeita (não existe isso), mas já permite um trabalho de argumentação melhor.

Conclusão: Uma tese é uma oração declarativa, contendo sua opinião sobre o tema e que será defendida com argumentos; qualquer opinião pode ser usada como tese, mas é importante que ela não fique presa ao senso comum.


Se você está estudando redação, comece a praticar escrevendo algumas teses. Em breve, vou detalhar mais esse assunto, mostrando quatro tipos de tese que você pode escrever.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Adultos infantilizados", por Contardo Calligaris



O texto abaixo é um artigo de opinião de um de meus autores preferidos, Contardo Calligaris. Notem como ele usa sua experiência pessoal para introduzir o tema e como sua tese só aparece explicitamente na conclusão do texto.
O tema do artigo é o consumismo, que eu considero um dos mais importantes para quem quer escrever boas redações na atualidade (além de, é claro, ser algo muito relevante para a vida pós-vestibular).

Adultos infantilizados (publicado originalmente na Folha de São Paulo em novembro de 2009)

A infantilização do consumidor é peça chave do espírito do capitalismo atual

DURANTE O feriado, nos cinemas, só dava "Lua Nova", de Chris Weitz, "2012", de Roland Emmerich, e "Os Fantasmas de Scrooge", de Robert Zemeckis. Claro, havia outros filmes, mas meio que perdidos na programação.
Imaginemos que você preferisse ler um romance e consultasse a lista dos mais vendidos. Você encontraria cinco títulos de Stephenie Meyer (a autora da saga de vampiros, cujo segundo volume inspira o filme "Lua Nova"), dois volumes dos "Diários do Vampiro", de L. J. Smith, e, no fim, "O Pequeno Príncipe".

Ora, assisti a "Os Fantasmas de Scrooge" (não perderia um filme de Zemeckis, o diretor de "Forrest Gump") e achei excelente; vi de óculos, em 3D, deleitando-me com a atmosfera encantada: como disse uma menina, nevava na sala de cinema. Não vi "Lua Nova", mas gosto da saga de Meyer, sobre a qual escrevi nesta coluna, assim como escrevi sobre o primeiro filme da série, "Crepúsculo". Além disso, aposto que me divertiria com a fantasia catastrófica de "2012"; Emmerich já me divertiu com "Independence Day". Enfim, tenho uma lembrança comovida de "O Pequeno Príncipe".

Então, por que me queixaria dessa preponderância de filmes e livros obviamente infantojuvenis? Não me queixo, apenas constato: nas salas de cinema ou nas livrarias, aparentemente, os adultos devem ser uma pequena minoria, com a exceção, é claro, dos que acompanham suas crianças ou as presenteiam com livros. Estou sendo irônico: é claro que os grandes consumidores de filmes e livros infantojuvenis só podem ser os adultos.
Domingo, um amigo editor me explicava, justamente, que o filé mignon atual são os "crossovers", ou seja, as obras que "atravessam", que seduzem tanto as crianças quanto os adultos. O best-seller e o blockbuster ideais são histórias supostamente para crianças e adolescentes, mas capazes de conquistar os leitores e os espectadores adultos.

Se consultarmos a lista dos livros mais vendidos de não ficção, a conclusão é a mesma. Como assim? Os ensaios não são o domínio reservado e sisudo dos adultos? Artifício: o sucesso dos livros de autoajuda forçou os jornais a separá-los dos de não ficção, mas, de fato, os mais vendidos de não ficção são os livros de autoajuda. Ora, o texto de autoajuda se relaciona com o leitor como com alguém que precisa e prefere ser guiado, orientado, ajudado a pensar, decidir e agir, ou seja, relaciona-se com o leitor como com uma criança.

Pois bem, Benjamin Barber, no seu novo livro, "Consumido - Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole Cidadãos" (Record), apresenta a infantilização do consumidor não como um acidente cultural momentâneo, mas como a peça chave do espírito do capitalismo contemporâneo.

Barber é convincente e divertido: chegaram os "kidadults", os "criançultos". O drama do dia não é que as crianças sejam alvo do mercado, mas que o mercado esteja transformando os adultos em crianças.

Por que o mercado prefere lidar com "criançultos"? E o que nos predispõe a sermos infantilizados? Uma breve hipótese. Houve, sobretudo a partir da segunda metade do século 20, uma explosão de um tipo especial de amor dos pais pelos filhos, um amor feito de esperanças e expectativas monstruosas (as crianças serão o que quisemos e não conseguimos ser, nada lhes faltará). Esse tipo de amor parental cria consumidores ideais: por exemplo, indivíduos com pouquíssima tolerância à frustração (e alergia à própria ideia de que algo seja difícil ou, pior, impossível) e com uma imperiosa necessidade de satisfação imediata (e alergia a tudo o que posterga: preparação, estudo, reflexão, complexidade, poupança).

Alguém dirá: e daí, qual é o problema? Exemplo. João quer ser rapper na África do Sul e gasta, impulsivamente, o décimo terceiro da mãe na roupa certa para se parecer com seus ídolos. Para ser rapper na África do Sul, talvez fosse mais urgente que ele estudasse inglês seriamente. Mas essa observação poderia entristecer João. Melhor deixá-lo sonhar e confundir sua mascarada com o começo da realização de seu desejo; afinal, ele é feliz assim, não é? Pois é, suposição errada: quem cresce sem nunca se deparar com o impossível ou mesmo com o difícil, acaba, mais cedo mais tarde, vivendo no desespero. Por quê? Simples (como um filme para crianças): ele só consegue atribuir seus fracassos ao que lhe parece ser sua própria impotência.

Contardo Calligaris