sexta-feira, 13 de março de 2015

Senso comum e o medo da discordância



(http://napraxis.blogspot.com.br/2010/10/contra-o-aborto-pela-vida-pena-de-morte.html)

Um dos motivos para as pessoas apelarem para o senso comum (ou seja, ideias sem profundidade, vagas e muito repetidas) é o medo de atrair discordância. Muitos imaginam ter encontrado a maneira de receber a aceitação das outras pessoas, que seria defender ideias universalmente aceitas.

No entanto, como as eleições de 2014 devem ter demonstrado, as pessoas (até mesmo amigos próximos) são muito diferentes e possuem pontos de vista variados. É bem difícil encontrar uma opinião com a qual todos concordem. E, quando se encontra uma opinião desse tipo, o mais provável é que seja uma afirmação vaga, abstrata ou redundante. Às vezes, esse tipo de informação até parece fazer sentido, mas apenas porque cada pessoa a completa da maneira que achar melhor. Um exemplo é o texto dos horóscopos: quando um deles diz algo como “pessoas próximas a você podem dar conselhos preciosos”, é o próprio leitor que determina quem é essa pessoa e qual é esse conselho. E é altamente provável que o leitor vá receber algum conselho de uma pessoa próxima nesse dia, o que dá a impressão de que o horóscopo funciona.

Uma maneira simples de identificar que alguém está usando o senso comum para defender seus argumentos é observar se essa pessoa defende coisas que ninguém critica. Por exemplo, quando alguém diz que é a favor da paz, da vida e da liberdade. Ora, alguém pode ser contra esses valores? A impressão que se tem à primeira vista é a de que é impossível discordar do que a pessoa vai dizer. No entanto, as pessoas que usam esse tipo de discurso normalmente estão escondendo suas reais motivações. E essas motivações costumam envolver polêmica, ou seja, a defesa de ideias com as quais muitos não concordam.

Vamos a um caso prático: o movimento contra o aborto, nos Estados Unidos, é conhecido como “Pró-Vida”. A defesa da vida é uma posição praticamente inquestionável, usada para trazer mais credibilidade à tese que o movimento realmente quer defender: a proibição do aborto, considerado por eles um assassinato. Da mesma maneira, o movimento que se opõe ao “Pró-Vida” é chamado de “Pró-Escolha”. Naturalmente, o nome, que remete à defesa da liberdade, serve para escamotear a verdadeira motivação do movimento, que é a preservação do direito ao aborto.

Outro exemplo: no Brasil, vemos muitos políticos se apresentando como “defensores da família”. Quando se vê um discurso desse tipo, a atitude mais racional é procurar as causas ocultas sob a motivação de nobreza aparentemente inquestionável. No nosso caso, o mais recorrente é que a defesa da família se traduza em combate aos direitos dos homossexuais (como os de casar ou adotar crianças).

Uma consequência muito negativa dessa estratégia de se esconder atrás de opiniões indiscutíveis é a divisão implícita do mundo em duas partes: para muitos críticos do aborto, por exemplo, só é possível estar do lado deles ou ser um assassino de bebês inocentes (é curioso notar, no entanto, que muitos opositores do aborto são também defensores da pena de morte); da mesma maneira, ao se denominar “pró-escolha”, o movimento que defende o direito ao aborto sugere que seus críticos são inimigos da liberdade. Mas nem mesmo o mais ferrenho defensor do direito ao aborto é favorável à liberdade absoluta.


Embora a estratégia de escolher palavras indiscutíveis funcione muitas vezes, quando usada em um público-alvo pouco atento ou desinformado, não se pode basear uma discussão séria no senso comum. É ingênuo imaginar que, ao mudar algumas palavras-chave, torna-se possível fazer todas as pessoas concordarem com uma opinião. Sempre haverá discordância; e a única maneira honesta de lidar com ela é aceitá-la como algo natural, tentar entender os motivos que levam as pessoas a discordar de uma determinada opinião e apresentar argumentos sólidos para defendê-la. Fingir que se defende um valor universal é uma atitude falsa, covarde e que só funciona com pessoas despreparadas.

Um comentário:

  1. Por que ser contra o aborto é ser senso comum? A imagem ilustra isso. Pelo menos deu a entender.

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