Já
há algum tempo, eu tenho interesse em discutir ideias do senso comum
que circulam por aí sem contestação. Vou começar aproveitando um
assunto polêmico, que faz parte do inconsciente coletivo quando se
pensa em redação: a pena de morte. O assunto voltou à tona agora,
com a execução do traficante brasileiro preso na Indonésia, e tem
mobilizado muitos argumentos favoráveis e contrários. Mas o nível
da discussão, infelizmente, não parece ter evoluído.
Dois
argumentos muito comuns podem ser eliminados com pouquíssimo
esforço:
1:
o argumento de que a pena de morte economizaria dinheiro: no Kansas,
em 2003, uma pesquisa concluiu que um
único caso de pena de morte custava, em média, US$ 1,26 milhão,
contra US$ 740 mil de um caso comum até o fim da pena. Obviamente,
não temos dados equivalentes no Brasil, mas é possível imaginar
que a relação seria semelhante. Além disso, o fato de o Brasil não
ter nenhuma infraestrutra para a pena capital em seus presídios
provavelmente levaria a gastos extras.
2:
o argumento de que a pena capital diminuiria a superlotação nos
presídios: em todo o mundo, cerca de 1000 pessoas são executadas
por ano; o Brasil tem um déficit de 200 mil vagas em presídios –
563 mil presos, 363 mil vagas; ou seja, o impacto da pena de morte
seria desprezível.
Mas o que eu quero discutir aqui é um argumento mais etéreo: o de que a
pena de morte teria um efeito psicológico, inibindo os futuros
criminosos. Acompanhe:
Se
a pena de morte for aprovada no Brasil, o mais provável é que use
um sistema semelhante ao dos Estados Unidos, que é culturalmente
mais próximo de nós do que a Indonésia, a China ou a Arábia
Saudita. Portanto, vou usar os números dos nossos vizinhos da
América do Norte como base.
Os
Estados Unidos têm cerca de 320 milhões de habitantes; nos últimos
quatro anos para os quais há dados oficiais (2010 a 2013), foram
executados 162 condenados nos 36 estados que aplicam a pena capital
(média de 40,5 por ano).
Alguém
pode dizer: “Pelo menos, eles servem de exemplo para os que ainda
não cometeram crimes; se a pessoa sabe que vai morrer, ela desiste
do crime e começa a agir como um cidadão de bem”.
Isso
até poderia ser verdade... mas o que ocorre é que é
muito mais provável alguém que cometeu um crime morrer no Brasil do
que nos Estados Unidos!
No mesmo período em que a pena capital estadunidense matou 162
condenados, a polícia brasileira, sem julgamento, foi responsável
pela morte de 8.378 pessoas!
Para
não ser injusto, vou computar aqui também as pessoas mortas pela
polícia nos Estados Unidos nesses 4 anos: 1.531. Fazendo todas as
contas, temos o seguinte:
Pessoas
mortas pelo Estado brasileiro (polícia + pena de morte): 2.094 por
ano
Pessoas
mortas pelo Estado estadunidense (polícia + pena de morte): 423 por
ano
Levando
em conta a população dos dois países, a probabilidade de uma
pessoa morrer em consequência de um conflito com a lei é quase OITO
VEZES maior no Brasil do que nos
Estados Unidos. Logo, chegamos a
duas conclusões simples:
1
– o Brasil já aplica a pena de morte, extraoficialmente;
2-
se o medo de morrer por ter cometido um crime fosse um desmotivador
eficiente, era de se esperar que o número de crimes violentos no
Brasil fosse menor (não é o que ocorre: o Brasil tem uma taxa de 21
assassinatos por 100 mil habitantes, contra 4,2 dos Estados Unidos).
É
compreensível que, em momentos de desespero, as pessoas sejam
seduzidas por argumentos falaciosos e fáceis. No entanto, adotar
esse discurso apenas dificulta a compreensão e a solução dos
problemas. Por isso, mesmo quando você estiver incomodado com uma
situação e até com raiva por não ver uma solução próxima, não
saia adotando a primeira proposta sem sentido que aparecer no
Facebook. Tente analisar os detalhes e ver se o que foi sugerido
realmente faz sentido.
Pretendo
comentar mais argumentos do senso comum no futuro. Se alguém tiver
sugestões, pode mandar por aqui. Até breve.
Fontes:
Mortes
em confronto com a polícia nos Estados Unidos:
http://www.fbi.gov/about-us/cjis/ucr/crime-in-the-u.s/2012/crime-in-the-u.s.-2012/offenses-known-to-law-enforcement/expanded-homicide/expanded_homicide_data_table_14_justifiable_homicide_by_weapon_law_enforcement_2008-2012.xls
Mortes
em confronto com a polícia no Brasil:
Aplicações
da pena de morte nos Estados Unidos:
http://www.amnestyusa.org/pdfs/DeathPenaltyFactsMay2012.pdf
Déficit
de vagas em presídios no Brasil
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMID364AC56ADE924046B46C6B9CC447B586PTBRNN.htm
Vemos que a questão de ser contra a pena de morte vai muito além do puro moralismo, dados comprovam a ineficácia da pena capital
ResponderExcluirVemos que a questão de ser contra a pena de morte vai muito além do puro moralismo, dados comprovam a ineficácia da pena capital
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