Confira a prova na página da PUC-SP: http://www.vestibular.pucsp.br/
Quebrando uma tendência de vários anos, a prova da PUC-SP 2012 não ofereceu uma dissertação entre as opções de proposta. Havia apenas uma possibilidade: a elaboração de uma carta destinada à presidente (ou 'presidenta', como o tema destacava) Dilma Roussef.
Pessoalmente, sou favorável à presença de outros gêneros e tipos de texto, além da dissertação, nas provas de vestibular. Acredito que essa transformação no teor das provas, que vem se intensificando nos últimos anos, valoriza o leitor mais completo e não aquele que memoriza fórmulas prontas aplicáveis a uma única situação textual. Daí a minha recomendação para quem pretende ser aprovado em provas e concursos: ler muitos textos, de fontes diversas, e não acreditar em dicas genéricas e fórmulas pretensamente aplicáveis a todas as situações.
No tema de carta da PUC-SP 2012, a tarefa era a seguinte:
Usando um pseudônimo, redija uma carta à presidente Dilma Roussef, sugerindo-lhe qual deve ser a prioridade de seu governo, para realmente marcar seu nome na história do Brasil. Use argumentos necessários para convencê-la de que sua sugestão é realmente relevante.
Para auxiliar o candidato, havia dois excertos que formavam a coletânea. Um deles, que continha um trecho do discurso de posse da presidente, destacava o simbolismo de sua eleição, considerada uma prova da capacidade feminina e um importante passo rumo à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres:
Em 2010, final da primeira década do terceiro milênio, o Brasil elege a primeira mulher para presidente, pelo voto direto.Em seu pronunciamento, a presidente eleita, Dilma Rousseff, após o anúncio do resultado do segundo turno da eleição, declara:
“Mas eu queria me dirigir a todos os brasileiros e as brasileiras, meus amigos e minhas amigas de todo o Brasil. É uma imensa alegria estar aqui hoje. Eu recebi de milhões de brasileiros e de brasileiras a missão, talvez a missão mais importante da minha vida.
E esse fato, para além da minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país, porque pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro, portanto, o meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras para que esse fato até hoje inédito se transforme num evento natural e que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis e nas entidades representativas de toda a nossa sociedade. A igualdade de oportunidades entre homens e mulheres é um princípio essencial da democracia.”
Disponível em< http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/10/leia-integra-do-pronunciamento-da-presidente-eleitadilma-rousseff.html> Acesso em 10 de ago. 2011.
O outro excerto que compunha a coletânea era composto por um conjunto de dados numéricos relativos ao Censo 2010, realizado pelo IBGE:
BRASIL - CENSO 2010 (IBGE)
População: 190.755.799 de brasileiros
O Brasil possui 8.515.692,27 km², distribuídos em um território heterogêneo, muitas vezes de difícil acesso, composto por 27 Unidades da Federação e 5.565 municípios.
O nível de analfabetismo do brasileiro passou de 12% em 2000 para 9,6% em 2010.
Nascimentos: 600.000 é o número de crianças sem certidão de nascimento.
Idade: Houve um aumento constante no número de idosos e uma diminuição significativa da população com até 25 anos. O Censo 2010 apurou ainda que existem 23.760 brasileiros com mais de 100 anos.
Brancos correspondem a menos da metade da população, pela primeira vez no Brasil.
Domicílios brasileiros: O Brasil tem 42.851.326 de domicílios.
74,2% dos brasileiros moram em casa própria e 81,4% estão localizados em área urbana.
Empregos: A população economicamente ativa do Brasil é de 79.315.287 de pessoas.
A população urbana também cresceu. Em 2000, representava 81,25% dos brasileiros. E agora, soma 84,35%.
51%|Mulheres
97.342.162 pessoas
49%|Homens
93.390.532 pessoas
Fonte IBGE, disponível em
Trata-se, portanto, de um típico tema de Carta Argumentativa, como as que eram cobradas pela Unicamp até 2009. É necessário elaborar uma tese, na forma de uma proposta, e tentar persuadir a presidente a aceitar sua validade, ou seja, a agir de modo a colocá-la em prática. Para isso, é necessário construir a imagem da presidente: o candidato deve mencionar características de Dilma que a tornem mais receptiva aos seus argumentos. Uma boa carta argumentativa não é uma dissertação com cabeçalho e despedida, mas sim um texto escrito desde o início tendo em mente o interlocutor específico a quem ele se destina. Assim, os argumentos devem levar em conta, sempre que possível, a personalidade do interlocutor.
É possível, por exemplo, sugerir a Dilma Roussef que combata de maneira firme a corrupção, inclusive quando cometida por colegas de partido; um argumento possível seria o de que, além de diminuir os desvios de verbas que tanto prejudicam o país, essa atitude provaria que ela não é simplesmente uma invenção de Lula, mas que tem força política e personalidade para liderar transformações ainda mais profundas do que as realizadas pelo ex-presidente.
A leitura atenta da coletânea revela várias outras propostas que poderiam ser feitas. O trecho do discurso da presidente pode ser usado como base para sugestões que promoveriam a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Já o segundo excerto, com os dados do IBGE, fornece subsídios para dimensionar o impacto de algumas medidas (constam nele, por exemplo, o número de analfabetos do país e uma clara indicação do envelhecimento da população).
Outro recurso típico de cartas argumentativas que poderia ser utilizado é a máscara. O autor poderia revelar características suas que dariam maior sustentação aos seus argumentos; seria possível, por exemplo, colocar-se como um pesquisador, para apresentar os dados constantes do segundo excerto, ou como um cientista político, que mostraria à presidente quais medidas são as mais desejadas pela população.
Não se pode esquecer, por fim, da interlocução. Ao contrário da dissertação, que tem um tom impessoal, a carta deve fazer referências ao autor e ao interlocutor sempre que possível. De preferência, essa interlocução deve mencionar características dos envolvidos no diálogo, e não se basear apenas em palavras e expressões como “entendeu?”, “ a senhora não acha?”, e “na minha opinião”.
Uma dúvida que provavelmente está afligindo muitas pessoas: a carta deve, sim, ter um cabeçalho (por exemplo, “Campinas, 20 de novembro de 2011”), uma saudação (que poderia ser “Exma. Senhora Presidenta”) e uma despedida (algo como “Respeitosamente, despeço-me” ou “Atenciosamente, C. G. J.”). Esses elementos não são, normalmente, o que define a qualidade de uma carta, mas ajudam a caracterizá-la e mostram que o candidato domina esse gênero. Quanto ao uso de “presidenta” ou “presidente”, eu acredito que a segunda forma é gramaticalmente mais correta, mas usaria a primeira forma se fosse escrever para Dilma Roussef, porque sei (pela leitura de declarações e entrevistas na mídia) que ela prefere ser chamada dessa maneira.
Enfim, o tema de redação da PUC- SP, embora surpreendente para muitos candidatos, não apresentou um nível de dificuldade exagerado nem fugiu do que se espera de uma proposta de redação.