http://www.comvest.unicamp.br/vest2012/F1/f12012QZ.pdf
O segundo tema pedia ao aluno que escrevesse um manifesto. Alguém poderia ver essa palavra e se desesperar, pensando “nunca escrevi isso, e agora?”. Mas muita calma. O mais importante (e quem tem aula comigo já se cansou de ouvir isso) não é conhecer de antemão o nome que a Unicamp usa para o gênero e sim entender as características pedidas na proposta. E nem sempre elas são características típicas (o tema que vamos ver agora é um exemplo dessa afirmação).
O tema começa com uma contextualização:
Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola que passou a monitorar as páginas de seus alunos em redes sociais da internet (como o Orkut, o Facebook e o Twitter), após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo.
Em função da polêmica provocada pelo monitoramento, você resolve escrever um manifesto e recebe o apoio de vários colegas. Juntos, decidem lê-lo na próxima reunião de pais e professores com a direção da escola.
Vamos analisar, então, o propósito do gênero; o candidato deveria:
• explicitar o evento que motivou a direção da escola a fazer o monitoramento;
• declarar e sustentar o que você e seus colegas defendem, convocando pais, professores e alunos a agir em conformidade com o proposto no documento.
Podemos dizer que se trata de um texto expositivo/narrativo, já que uma parte do propósito é relatar um evento que teria motivado a escola a iniciar um monitoramento das atividades dos alunos em redes sociais, e também opinativo/persuasivo, porque é necessário fazer uma proposta e convocar o público que ouve a leitura do documento a tomar uma atitude sugerida pelos autores.
Para cumprir bem esses dois pontos do propósito, você poderia, em primeiro lugar, se aproveitar do texto motivador. Lembre-se de que a função desses textos não é atrapalhar (mesmo que às vezes surja essa impressão), mas sim fornecer informações para que as pessoas que não conheciam o assunto de antemão tenham como escrever um bom texto sobre ele. Por isso, podemos dizer que ler bem a coletânea ou o texto motivador é muito mais importante que ‘adivinhar’ o tema.
No texto apresentado na proposta, havia três situações (na verdade eram quatro, mas duas eram muito parecidas) que poderiam ser utilizadas. Lembre-se de que, ao contextualizar a situação, o tema disse que a escola passou a monitorar os alunos “após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo”. Então, é lógico supor que a Unicamp espera dos candidatos o uso de um dos eventos desse texto. Seria possível inventar outro, não presente na matéria? Sim, mas, além de desnecessária, essa estratégia faz com que o candidato deixe de usar o texto motivador. E temos visto, nas redações corrigidas pela Unicamp, que as redações com notas mais altas têm usado bastante os elementos desses textos.
As situações descritas na matéria são as seguintes:
1: “Durante uma aula vaga em uma escola da Grande São Paulo, os alunos decidiram tirar fotos deitados em colchonetes deixados no pátio para a aula de educação física. Um deles colocou uma imagem no Facebook com uma legenda irônica, em que dizia: vejam as aulas que temos na escola. Uma professora viu a foto e avisou a diretora. Resultado: o aluno teve de apagá-la e todos levaram uma bronca.”;
2: Um casal foi suspenso por publicar uma foto em que eles se beijavam nas dependências da escola;
3 e 4: em duas escolas diferentes, alunos criaram comunidades virtuais em que havia troca de respostas de exercício pedidos pela escola. Em um dos casos, o aluno responsável pela página sofreu suspensão; no outro, os responsáveis não foram punidos e o evento levou a uma discussão sobre ética.
Não me parece que um dos eventos seja mais adequado à discussão que os demais. Qualquer um deles, e até uma combinação de dois ou mais, pode ser a causa do início do monitoramento. Mas vale notar que, enquanto os dois primeiros casos levaram a punições apenas por criar má publicidade para as escolas, os últimos levantam uma discussão sobre o uso das ferramentas virtuais para burlar as regras escolares.
A segunda parte do propósito seria elaborar uma proposta de ação. Não há indicações, no tema, de qual seria o teor exato dessa proposta; assim, podemos assumir que serão aceitas sugestões variadas, desde o fim do monitoramento por parte da escola até a abertura, na comunidade escolar, de discussões sobre privacidade e responsabilidade. Como não basta declarar, mas é necessário também sustentar uma posição, o candidato precisaria encontrar alguns argumentos para defender a proposta.
Importante: embora pareça óbvio que os estudantes iriam se posicionar contra o monitoramento, existe a possibilidade contrária. Nada impede que um grupo de estudantes, depois de observar a polêmica causada pelo monitoramento, tenha resolvido escrever um manifesto justamente para apoiar a atitude da escola, pois perceberam que talvez a instituição voltasse atrás devido às críticas feitas por outros alunos (quem tem acompanhado a polêmica da PM na USP deve ter percebido que estudantes não são sempre unânimes nas suas opiniões).
De qualquer forma, é aqui que se abre a maior possibilidade de autoria: os argumentos usados podem variar bastante, mas sempre têm que ser coerentes com a posição defendida pelo autor do texto e com a proposta escolhida.
Quanto à interlocução e à definição do autor e do interlocutor, note o que o tema pediu: “Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola”, com o termo ‘estudantes’ no plural. Essa característica, que, aliás, é comum em manifestos, permite concluir que o texto deve ser escrito em nome de um grupo de pessoas e não de um indivíduo. O início poderia ser algo do tipo “nós, estudantes do Colégio Tal, em face da polêmica criada pela decisão de...”; isso estabeleceria o autor como o grupo de estudantes e provavelmente seria o suficiente para cumprir essa parte da obrigação. O fato de o texto ser escrito em nome de um grupo também permitiria um uso um pouco menos freqüente das características particulares do autor. Não me parece condizente com o gênero escrever coisas como “eu, que gosto muito de História, notei uma semelhança entre a atitude da escola e a política repressora da Ditadura Militar”. Esse recurso, que é chamado máscara e consiste em mencionar características pessoais do autor que serão úteis para atingir o propósito do texto, faz menos sentido quando o autor não é um indivíduo.
Por fim, o meio e a linguagem: o tema diz que o manifesto deve ser escrito na modalidade oral formal e que deve ser lido em uma reunião entre pais, professores e direção da escola. Essas características aproximam muito o texto de um gênero cobrado no ano anterior, o discurso. Com a diferença, no entanto, de que o tema deste ano é opinativo/persuasivo, com um pouco de exposição e narração, enquanto o do ano passado era muito mais expositivo. Mas a situação de leitura do manifesto para uma plateia torna possível o uso de elementos de interlocução como a saudação e a despedida, e o fato de o propósito incluir a convocação dos ouvintes para agir de acordo com uma proposta faz com que a referência ao interlocutor seja ainda mais esperada nesse texto, especialmente no momento em que a proposta for explicitada. Imagino algo como “por isso, você, pais, conversem com seus filhos sobre a importância da responsabilidade ao postar conteúdo nas redes sociais”, ou “esperamos que vocês da direção respeitem nossa privacidade e busquem resolver os problemas que surgirem por meio do diálogo e não da imposição de regras unilaterais”.
Ainda sobre a linguagem, lembre-se de que oralidade não é sinônimo de informalidade; além de o tema ter afirmado explicitamente que é necessário escrever um texto formal, a própria situação de produção (uma reunião da escola) e o propósito de persuadir os interlocutores indicam a necessidade do uso de uma linguagem gramaticalmente correta e respeitadora da norma padrão.
O gênero 2, portanto, novamente valorizou a leitura atenta do candidato e o respeito às exigências da proposta, e ainda serviu como um argumento para uma tese que eu defendo sempre: o mais importante não é o nome usado para se referir ao gênero e sim as características dele que são apresentadas na proposta.
Infelizmente, o terceiro gênero não foi formulado de maneira tão clara quanto poderia, o que talvez tenha levado alguns candidatos a uma impressão errada. Mas vamos conferir os detalhes no próximo post.
A unicamp não deixou claro qual deveria ser a proposta dada pelo manifesto, mas dava para retirá-la do seguinte trecho da coletânea:"Transformar o problema em tema de discussão para as aulas é considerado o ideal por educadores.'A atitude da escola não pode ser policialesca, tem que ser preventiva e negociadora no sentido de formar consciência crítica', diz Sílvia Colello,
ResponderExcluirprofessora de pedagogia da USP".
Não coloquei saudação e nem despedida. Tem problema, Cícero? Há possibilidade de perder nota em Gênero?
ResponderExcluir@Lara: muito bem observado, a proposta poderia mesmo seguir esse critério.
ResponderExcluir@ Natali: vamos ter que esperar a resposta oficial da Unicamp para saber, porque esse gênero ficou um tanto híbrido. Estou apostando que, se houver penalidade, vai ser na grade holistica.
ResponderExcluirO tempo da prova é meio curto para fazer 3 redações e 48 questões. Nesse caso, quantas linhas você recomenda para cada texto? O gênero 1 pedia um comentário, o gênero dois um manifesto e o gênero 3 um verbete!
ResponderExcluirThiago, a Unicamp dá 22 linhas para cada gênero e minha sugestão é utilizar todas elas. Se fazer três textos em um tempo curto é difícil, fazê-los em um espaço curto apenas aumenta a dificuldade. É possível escrever um texto bom em menos espaço (15 linhas), mas os textos publicados pela própria Unicamp como exemplos de boas redações costumam ocupar todas as linhas disponíveis.
ResponderExcluirObrigado pelo atenção!
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