segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Redação na Unicamp 2012: Gênero 2 – Manifesto

http://www.comvest.unicamp.br/vest2012/F1/f12012QZ.pdf

O segundo tema pedia ao aluno que escrevesse um manifesto. Alguém poderia ver essa palavra e se desesperar, pensando “nunca escrevi isso, e agora?”. Mas muita calma. O mais importante (e quem tem aula comigo já se cansou de ouvir isso) não é conhecer de antemão o nome que a Unicamp usa para o gênero e sim entender as características pedidas na proposta. E nem sempre elas são características típicas (o tema que vamos ver agora é um exemplo dessa afirmação).

O tema começa com uma contextualização:

Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola que passou a monitorar as páginas de seus alunos em redes sociais da internet (como o Orkut, o Facebook e o Twitter), após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo.
Em função da polêmica provocada pelo monitoramento, você resolve escrever um manifesto e recebe o apoio de vários colegas. Juntos, decidem lê-lo na próxima reunião de pais e professores com a direção da escola.

Vamos analisar, então, o propósito do gênero; o candidato deveria:

• explicitar o evento que motivou a direção da escola a fazer o monitoramento;

• declarar e sustentar o que você e seus colegas defendem, convocando pais, professores e alunos a agir em conformidade com o proposto no documento.

Podemos dizer que se trata de um texto expositivo/narrativo, já que uma parte do propósito é relatar um evento que teria motivado a escola a iniciar um monitoramento das atividades dos alunos em redes sociais, e também opinativo/persuasivo, porque é necessário fazer uma proposta e convocar o público que ouve a leitura do documento a tomar uma atitude sugerida pelos autores.

Para cumprir bem esses dois pontos do propósito, você poderia, em primeiro lugar, se aproveitar do texto motivador. Lembre-se de que a função desses textos não é atrapalhar (mesmo que às vezes surja essa impressão), mas sim fornecer informações para que as pessoas que não conheciam o assunto de antemão tenham como escrever um bom texto sobre ele. Por isso, podemos dizer que ler bem a coletânea ou o texto motivador é muito mais importante que ‘adivinhar’ o tema.

No texto apresentado na proposta, havia três situações (na verdade eram quatro, mas duas eram muito parecidas) que poderiam ser utilizadas. Lembre-se de que, ao contextualizar a situação, o tema disse que a escola passou a monitorar os alunos “após um evento similar aos relatados na matéria reproduzida abaixo”. Então, é lógico supor que a Unicamp espera dos candidatos o uso de um dos eventos desse texto. Seria possível inventar outro, não presente na matéria? Sim, mas, além de desnecessária, essa estratégia faz com que o candidato deixe de usar o texto motivador. E temos visto, nas redações corrigidas pela Unicamp, que as redações com notas mais altas têm usado bastante os elementos desses textos.

As situações descritas na matéria são as seguintes:

1: “Durante uma aula vaga em uma escola da Grande São Paulo, os alunos decidiram tirar fotos deitados em colchonetes deixados no pátio para a aula de educação física. Um deles colocou uma imagem no Facebook com uma legenda irônica, em que dizia: vejam as aulas que temos na escola. Uma professora viu a foto e avisou a diretora. Resultado: o aluno teve de apagá-la e todos levaram uma bronca.”;

2: Um casal foi suspenso por publicar uma foto em que eles se beijavam nas dependências da escola;

3 e 4: em duas escolas diferentes, alunos criaram comunidades virtuais em que havia troca de respostas de exercício pedidos pela escola. Em um dos casos, o aluno responsável pela página sofreu suspensão; no outro, os responsáveis não foram punidos e o evento levou a uma discussão sobre ética.

Não me parece que um dos eventos seja mais adequado à discussão que os demais. Qualquer um deles, e até uma combinação de dois ou mais, pode ser a causa do início do monitoramento. Mas vale notar que, enquanto os dois primeiros casos levaram a punições apenas por criar má publicidade para as escolas, os últimos levantam uma discussão sobre o uso das ferramentas virtuais para burlar as regras escolares.

A segunda parte do propósito seria elaborar uma proposta de ação. Não há indicações, no tema, de qual seria o teor exato dessa proposta; assim, podemos assumir que serão aceitas sugestões variadas, desde o fim do monitoramento por parte da escola até a abertura, na comunidade escolar, de discussões sobre privacidade e responsabilidade. Como não basta declarar, mas é necessário também sustentar uma posição, o candidato precisaria encontrar alguns argumentos para defender a proposta.

Importante: embora pareça óbvio que os estudantes iriam se posicionar contra o monitoramento, existe a possibilidade contrária. Nada impede que um grupo de estudantes, depois de observar a polêmica causada pelo monitoramento, tenha resolvido escrever um manifesto justamente para apoiar a atitude da escola, pois perceberam que talvez a instituição voltasse atrás devido às críticas feitas por outros alunos (quem tem acompanhado a polêmica da PM na USP deve ter percebido que estudantes não são sempre unânimes nas suas opiniões).

De qualquer forma, é aqui que se abre a maior possibilidade de autoria: os argumentos usados podem variar bastante, mas sempre têm que ser coerentes com a posição defendida pelo autor do texto e com a proposta escolhida.

Quanto à interlocução e à definição do autor e do interlocutor, note o que o tema pediu: “Coloque-se no lugar dos estudantes de uma escola”, com o termo ‘estudantes’ no plural. Essa característica, que, aliás, é comum em manifestos, permite concluir que o texto deve ser escrito em nome de um grupo de pessoas e não de um indivíduo. O início poderia ser algo do tipo “nós, estudantes do Colégio Tal, em face da polêmica criada pela decisão de...”; isso estabeleceria o autor como o grupo de estudantes e provavelmente seria o suficiente para cumprir essa parte da obrigação. O fato de o texto ser escrito em nome de um grupo também permitiria um uso um pouco menos freqüente das características particulares do autor. Não me parece condizente com o gênero escrever coisas como “eu, que gosto muito de História, notei uma semelhança entre a atitude da escola e a política repressora da Ditadura Militar”. Esse recurso, que é chamado máscara e consiste em mencionar características pessoais do autor que serão úteis para atingir o propósito do texto, faz menos sentido quando o autor não é um indivíduo.

Por fim, o meio e a linguagem: o tema diz que o manifesto deve ser escrito na modalidade oral formal e que deve ser lido em uma reunião entre pais, professores e direção da escola. Essas características aproximam muito o texto de um gênero cobrado no ano anterior, o discurso. Com a diferença, no entanto, de que o tema deste ano é opinativo/persuasivo, com um pouco de exposição e narração, enquanto o do ano passado era muito mais expositivo. Mas a situação de leitura do manifesto para uma plateia torna possível o uso de elementos de interlocução como a saudação e a despedida, e o fato de o propósito incluir a convocação dos ouvintes para agir de acordo com uma proposta faz com que a referência ao interlocutor seja ainda mais esperada nesse texto, especialmente no momento em que a proposta for explicitada. Imagino algo como “por isso, você, pais, conversem com seus filhos sobre a importância da responsabilidade ao postar conteúdo nas redes sociais”, ou “esperamos que vocês da direção respeitem nossa privacidade e busquem resolver os problemas que surgirem por meio do diálogo e não da imposição de regras unilaterais”.

Ainda sobre a linguagem, lembre-se de que oralidade não é sinônimo de informalidade; além de o tema ter afirmado explicitamente que é necessário escrever um texto formal, a própria situação de produção (uma reunião da escola) e o propósito de persuadir os interlocutores indicam a necessidade do uso de uma linguagem gramaticalmente correta e respeitadora da norma padrão.

O gênero 2, portanto, novamente valorizou a leitura atenta do candidato e o respeito às exigências da proposta, e ainda serviu como um argumento para uma tese que eu defendo sempre: o mais importante não é o nome usado para se referir ao gênero e sim as características dele que são apresentadas na proposta.

Infelizmente, o terceiro gênero não foi formulado de maneira tão clara quanto poderia, o que talvez tenha levado alguns candidatos a uma impressão errada. Mas vamos conferir os detalhes no próximo post.

7 comentários:

  1. A unicamp não deixou claro qual deveria ser a proposta dada pelo manifesto, mas dava para retirá-la do seguinte trecho da coletânea:"Transformar o problema em tema de discussão para as aulas é considerado o ideal por educadores.'A atitude da escola não pode ser policialesca, tem que ser preventiva e negociadora no sentido de formar consciência crítica', diz Sílvia Colello,
    professora de pedagogia da USP".

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  2. Não coloquei saudação e nem despedida. Tem problema, Cícero? Há possibilidade de perder nota em Gênero?

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  3. @Lara: muito bem observado, a proposta poderia mesmo seguir esse critério.

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  4. @ Natali: vamos ter que esperar a resposta oficial da Unicamp para saber, porque esse gênero ficou um tanto híbrido. Estou apostando que, se houver penalidade, vai ser na grade holistica.

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  5. O tempo da prova é meio curto para fazer 3 redações e 48 questões. Nesse caso, quantas linhas você recomenda para cada texto? O gênero 1 pedia um comentário, o gênero dois um manifesto e o gênero 3 um verbete!

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  6. Thiago, a Unicamp dá 22 linhas para cada gênero e minha sugestão é utilizar todas elas. Se fazer três textos em um tempo curto é difícil, fazê-los em um espaço curto apenas aumenta a dificuldade. É possível escrever um texto bom em menos espaço (15 linhas), mas os textos publicados pela própria Unicamp como exemplos de boas redações costumam ocupar todas as linhas disponíveis.

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