O primeiro
tema da Unicamp 2013 está reproduzido abaixo:
Imagine-se
como um estudante de ensino médio de uma escola que organizará um painel
sobre características psicológicas e suas implicações no plano individual e na
vida em sociedade. Nesse painel, destinado à comunidade escolar, cada
texto reproduzido será antecedido por um resumo. Você ficou responsável
por elaborar o resumo que apresentará a matéria transcrita abaixo,
extraída de uma revista de divulgação científica. Nesse resumo você deverá:
- apresentar
o ponto de vista expresso no texto, a respeito da importância do pessimismo em
oposição
ao otimismo, relacionando esse ponto de vista aos argumentos centrais que o
sustentam.
Atenção:
uma vez que a matéria será reproduzida integralmente, seu texto deve ser
construído sem copiar enunciados da matéria.
PESSIMISMO
Para
começar, precisamos de pessimistas por perto. Como diz o psicólogo americano
Martin Seligman: “Os visionários, os planejadores, os desenvolvedores, todos
eles precisam sonhar com coisas que ainda não existem, explorar fronteiras.
Mas, se todas as pessoas forem otimistas, será um desastre”, afirma. Qualquer
empresa precisa de figuras que joguem a dura realidade sobre os otimistas:
tesoureiros, vice-presidentes financeiros, engenheiros de segurança...
Esse
realismo é coisa pequena se comparado com o pessimismo do filósofo alemão
Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, o otimismo é a causa de todo o sofrimento
existencial. Somos movidos pela vontade – um sentimento que nos leva a
agir,
assumir riscos e conquistar objetivos. Mas essa vontade é apenas uma parte de
um ciclo inescapável de desilusões: dela vamos ao sucesso, então à frustração –
e a uma nova vontade.
Mas qual é
o remédio, então? Se livrar das vontades e passar o resto da vida na cama sem
produzir mais nada? Claro que não. A filosofia do alemão não foi produzida para
ser levada ao pé da letra. Mas essa visão seca joga luz no outro lado da moeda
do pessimismo: o excesso de otimismo – propagandeado nas últimas décadas por
toneladas de livros de autoajuda. O segredo por trás do otimismo exacerbado, do
pensamento positivo desvairado, não tem nada de glorioso: ele é uma fonte de ansiedade.
É o que concluíram os psicólogos John Lee e Joane Wood, da Universidade de
Waterloo, no Canadá. Um estudo deles mostrou que pacientes com autoestima baixa
tendem a piorar ainda mais quando são obrigados a pensar positivamente.
Na
prática: é como se, ao repetir para si mesmo que você vai conseguir uma
promoção no trabalho, por exemplo, isso só servisse para lembrar o quanto você
está distante disso. A conclusão dos pesquisadores é que o melhor caminho é
entender
as razões
do seu pessimismo e aí sim tomar providências. E que o pior é enterrar os
pensamentos negativos sob uma camada de otimismo artificial. O filósofo
britânico Roger Scruton vai além disso. Para ele, há algo pior do que o
otimismo puro e simples:
o “otimismo
inescrupuloso”. Aquelas utopias* que levam populações inteiras a aceitar
falácias** e resistir à razão. O maior exemplo disso foi a ascensão do nazismo –
um regime terrível, mas essencialmente otimista, tanto que deu origem à Segunda
Guerra com a certeza inabalável da vitória. E qual a resposta de Scruton para
esse otimismo inescrupuloso? O pessimismo, que, segundo ele, cria leis
preparadas para os piores cenários. O melhor jeito de evitar o pior, enfim, é
antever o pior.
(Extraído
de M. Horta, “O lado bom das coisas ruins”, em Superinteressante, São
Paulo, no 302, março 2012.
* Utopia:
projeto de natureza irrealizável; ideia generosa, porém impraticável; quimera;
fantasia.
**
Falácia: qualquer enunciado ou raciocínio falso que, entretanto, simula a
veracidade; raciocínio verossímil, porém falso; engano; trapaça.
O
primeiro gênero do vestibular Unicamp 2013 não foi dos mais previsíveis (pelo
menos na minha opinião); o resumo,
embora seja tarefa frequente no ensino fundamental e médio, não é um texto tão
presente em situações do mundo real, o que parece ser uma pequena mudança de
direção em relação às propostas de 2011 e 2012.
Essa
imprevisibilidade, no entanto, não é motivo para pânico. Tudo que o candidato precisava
fazer era ler com atenção as orientações e o texto base para escrever um resumo
adequado. Um fator que será considerado por muitos como uma “pegadinha” era a
contextualização: a proposta afirmava que o autor deveria ser um aluno do ensino
médio que escreveria um resumo para um texto a ser publicado em um painel na
sua escola. Isso poderia levar a uma confusão análoga à ocorrida com muitos
candidatos em 2012, no gênero verbete:
sem conhecer bem a estrutura do vestibular Unicamp, alguns candidatos poderiam
ter pensado que era necessário explicitar as características do autor do resumo
(estudante do ensino médio) e a situação de produção (um painel em uma
exposição sobre as implicações de características psicológicas no plano
individual e na sociedade).
Os
alunos que estudaram o caso do famigerado verbete de 2012 (comentários em http://temqueportitulo.blogspot.com.br/2011/11/redacao-na-unicamp-2012-genero-3.html),
no entanto, devem ter percebido que, nas propostas da Unicamp, embora sempre haja um contexto, nem sempre
ele deve ficar explícito no texto. Foi o caso no vestibular 2012 e novamente
agora. Esperava-se, portanto, um texto que não fizesse referência direta às
características do autor nem ao meio em que ele seria veiculado. Referências diretas
talvez levem o texto à anulação nos critérios interlocução e gênero. O
público alvo, presumivelmente formado por alunos da mesma escola do autor,
também não deveria ser citado diretamente, mas seria possível mostrar que o
texto foi produzido com esse público em vista por meio do uso de um vocabulário
um pouco mais simples que o da matéria original.
Um
cuidado a ser tomado seria a lembrança de que o gênero resumo não busca expor a visão de quem o elabora, mas respeitar as
ideias presentes no texto que lhe serve de base. Assim, o candidato não deveria
se equivocar com o formato da proposta e pensar que estava frente a um tema de
dissertação. A banca não espera dos candidatos a capacidade de elaborar uma
nova tese sobre o pessimismo, mas sim a habilidade de condensar os pensamentos
de outro texto. Cumprir essa tarefa seria importante para não ter a redação
anulada no critério propósito.
E que pensamento era esse? A primeira
atitude para responder a essa pergunta seria considerar qual é o propósito de
um resumo. Ora, trata-se de um texto que condensa as ideias mais importantes de
um outro texto. E o que é mais importante em cada texto depende de a qual
gênero ele pertence e, especialmente, a qual propósito ele se destina. Como o
texto original era uma reportagem argumentativa, ou seja, um texto que
apresenta ideias e as defende, podemos concluir que seus elementos mais
importantes são a tese e os argumentos. Essa conclusão é reforçada
pelas palavras exatas usadas na proposta para se referir à tarefa do candidato,
que deveria “apresentar o ponto de vista expresso no texto, a respeito da
importância do pessimismo em oposição ao otimismo, relacionando esse ponto de
vista aos argumentos centrais que o sustentam”
Podemos
afirmar que a tese, ou seja, a ideia
central desenvolvida pelo texto-fonte, era a de que embora considerado inferior ao otimismo, o pessimismo é necessário para a vida em sociedade: a melhor forma de
evitar coisas ruins é se preparar para elas. Os principais argumentos usados para defender essa
tese eram os seguintes:
1.
a atitude puramente otimista não leva a resultados práticos se não for freada
por um certo pessimismo (que a reportagem chama de “realismo”, em um primeiro
momento)
2.
pessoas com autoestima baixa, quando obrigadas a agir positivamente, acabam por
se deprimir ainda mais, já que o falso otimismo aumenta o choque entre a
realidade cruel e as expectativas falsas
3.
ideais políticos otimistas (como o nazismo, que via a própria vitória como um
resultado inevitável da guerra) podem levar sociedades inteiras a negar evidências
racionais e agir de forma irresponsável.
Alguém
irá perguntar se era necessário citar os autores de cada uma das ideias do
texto-fonte; embora eu não possa afirmar com certeza o que a Unicamp vai fazer
nesse caso, acredito que o mais lógico é que a citação dos nomes seja
desnecessária e, no limite, prejudicial. Afinal, trata-se de um resumo e não de
uma cópia. E a proposta enfatiza a importância de representar no resumo as ideias centrais do texto-fonte (que
independem dos nomes de seus defensores).
Um
último detalhe curioso: ao contrário da maioria dos gêneros, este provavelmente
não irá valorizar o uso do espaço disponível em sua totalidade (24 linhas).
Afinal, a depender do tamanho da letra do candidato, é possível escrever quase
uma cópia do texto original nesse espaço, o que foi explicitamente
desencorajado (“uma vez que a matéria será reproduzida integralmente, seu texto
deve ser construído sem copiar enunciados da matéria”). Assim, acredito que
iremos ver textos relativamente curtos publicados como exemplos de nota acima
da média.
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