Abaixo, o tema e o comentário sobre o segundo gênero da Unicamp 2013 (Carta do Leitor). Esse comentário foi adaptado do que está no site do Elite, e foi escrito por mim. Quem quiser conferir o gabarito da prova inteira, entre em http://elitecampinas.com.br/gabaritos/unicamp/2013/unicamp2013_1fase.asp.
Tema:
Imagine que, ao
ler a matéria “Cães vão tomar uma ‘gelada’ com cerveja pet”, você se sente
incomodado por não haver nela nenhuma alusão aos possíveis efeitos que esse
tipo de produto pode ter sobre o consumo de álcool, especialmente por
adolescentes. Como leitor assíduo, você vem acompanhando o debate
sobre o álcool na adolescência e decide escrever uma carta para a
seção Leitor do jornal, criticando a matéria por não mencionar o problema
do aumento do consumo de álcool.
Nessa carta, dirigida
aos redatores do jornal, você deverá:
·
fazer
menção à matéria publicada, de modo que mesmo quem não a tenha lido entenda a importância
da crítica que você faz;
·
fundamentar
a sua crítica com dados apresentados na matéria “Vergonha Nacional”, reproduzidos
adiante.
Atenção: ao assinar a carta, use apenas as iniciais
do remetente.
Cães
vão tomar uma “gelada” com cerveja pet
Produto
feito especialmente para cachorros chega ao mercado nacional em agosto
Nada é melhor que
uma cervejinha depois de um dia de cão. Agora eles, os cães, também vão poder
fazer jus a essa máxima. No mês de agosto chega ao mercado a Dog Beer, cerveja
criada especialmente para os amigos de quatro patas. “Quem tem bicho de estimação
gosta de dividir o prazer até na hora de comer e beber”, aposta o empresário M.
M., 47, dono da marca.
Para comemorar a
final da Libertadores, a executiva A. P. C., 40, corintiana roxa, quis inserir
Manolito, seu labrador, na festa.
“Ele tomou tudo.
A cerveja é docinha, com fundinho de carne”, descreve.
Uniformizado,
Manolito não só bebeu a gelada durante o jogo contra o Boca Juniors como latiu
sem parar até o fim da partida.
Desenvolvida pelo
centro de tecnologia e formação de cervejeiros do Senai, no Rio de Janeiro, a
bebida canina é feita à base de malte e extrato de carne; não tem álcool, lúpulo,
nem gás carbônico.
O dono da empresa
promete uma linha completa de “petiscos líquidos”, que inclui suco, vinho e
champanhe.
A lista de
produtos humanos em versões animais não para de crescer.
Já existem
molhos, tempero para ração e até patê.
O sorvete Ice Pet
é uma boa opção para o verão. A sobremesa tem menos lactose, não tem gorduras
nem açúcar.
(Adaptado
de Ricardo Bunduky, Folha de São Paulo, São Paulo, 22 julh.2012,
Cotidiano 3 p.)
Vergonha
Nacional
As décadas de
descumprimento da lei (...) contribuíram para que os adultos se habituassem a
ver o consumo de bebidas entre adolescentes como “mal menor”, comparado aos
perigos do mundo. (...) Um estudo publicado pela revista Drugs and Alcohol
Dependence ouviu 15.000 jovens nas 27 capitais brasileiras. O cenário que
emerge do estudo é alarmante. Ao longo de um ano, um em cada três jovens
brasileiros de 14 a
17 anos se embebedou ao menos uma vez. Em 54% dos casos mais recentes, isso
ocorreu na sua casa ou na de amigos ou parentes. Os números confirmam também a
leniência com que os adultos encaram a transgressão. Em 17% dos episódios, os
menores estavam acompanhados dos próprios pais
ou de tios.
Resultados da pesquisa
realizada com 15.000 jovens de 14
a 17 anos nas 27 capitais brasileiras
Quantas vezes se embebedou
|
Onde ficou embriagado
(na última
vez em que bebeu)
|
Com quem bebeu
(na última
vez em que bebeu)
|
|||||
Nenhuma vez
|
12%
|
Bar
|
35%
|
Amigos
|
50%
|
||
Uma vez na vida
|
35%
|
Casa de amigos
|
30%
|
Irmãos e primos
|
26%
|
||
Ao menos uma
vez no último ano
|
32%
|
Casa de
parentes
|
13%
|
Pais ou tios
|
17%
|
||
Própria casa
|
11%
|
Namorado
|
5%
|
||||
Ao menos uma
vez no último mês
|
21%
|
Festas ou praia
|
11%
|
Sozinho
|
2%
|
||
(Adaptado de Revista Veja, Editora Abril, São Paulo, no 28, 11
julh. 2012, p. 81-82.)
Comentário:
O segundo gênero cobrado pela
Unicamp foi a Carta do Leitor:
trata-se de um gênero encontrado com frequência em jornais e revistas e que se
caracteriza por ser uma resposta ou comentário a alguma matéria publicada pelo
meio de comunicação em questão.
No caso específico do tema pedido
pela Unicamp, era necessário se colocar na posição de um leitor assíduo (não
necessariamente leitor assíduo do jornal em que a carta seria publicada, embora
essa característica pudesse ser bem aproveitada na argumentação) que se sentiu
incomodado com a matéria “Cães vão tomar uma ‘gelada’ com cerveja pet” e
resolveu, por esse motivo, escrever uma Carta
do Leitor ao jornal, expressando sua reação à reportagem e apresentando uma
crítica fundamentada em argumentos publicados em outra matéria.
O propósito do texto, portanto, incluía três tarefas: criticar a
matéria publicada pelo jornal; fazer menção a essa matéria, de forma que os
leitores que não a conhecem consigam entender a crítica; e usar dados de outra
matéria para sustentar a crítica.
A interlocução do texto deveria considerar que o autor da carta é um leitor assíduo e os interlocutores diretos são
os redatores da Folha de SP (embora a carta tenha sido elaborada visando à
publicação e, portanto, tenha como interlocutores potenciais todos os leitores
do jornal). Além de mencionar de maneira
explícita a existência de ambos os interlocutores, seria interessante
explorar suas características para enriquecer a argumentação. Os redatores da
Folha, por exemplo, poderiam ser lembrados de sua responsabilidade de
formadores de opinião. O autor da crítica, por sua vez, poderia se caracterizar
como um adulto, pai de adolescentes,
que se informa sobre o tema do consumo de álcool e sabe por experiência própria
o quanto as matérias jornalísticas podem induzir comportamentos em jovens (note
que as sugestões dadas aqui não são as únicas possibilidades, mas sugestões de
como a máscara — características do autor — e a imagem — características do
interlocutor — poderiam ser usadas. De acordo com os critérios da Unicamp, a
exploração da máscara e da imagem deve ser um
diferencial positivo, mas não um item estritamente necessário, sem o qual o
texto seria anulado).
O julgamento do gênero se confunde um pouco com a
interlocução, já que é característica da carta a presença de interlocução,
máscara e imagem. Os aspectos formais, como cabeçalho, saudação e despedida,
também ajudam a caracterizar a carta. A prova foi bastante clara ao afirmar que
deve haver uma despedida, indicando que a carta deveria ser assinada com as
iniciais do autor. Ao mesmo tempo, deixou subentendida a necessidade de uma saudação
que mostrasse claramente a quem a carta era dirigida (os redatores do jornal
Folha de SP). É bastante provável que a ausência de um ou dois desses elementos
não seja motivo de anulação no critério gênero,
desde que outros elementos estejam presentes. Mas a presença de vários deles,
especialmente a interlocução, deve ser critério para valorizar o texto.
Algumas observações importantes:
em primeiro lugar, vale apontar que o candidato não podia escolher sua posição
em relação à matéria: a proposta deixava claro que era necessário criticar o
jornal e apontava até o motivo para isso: a ausência de menção aos riscos do
consumo de bebida alcoólica, especialmente por adolescentes. Por fim, embora
pudesse haver outros argumentos, a banca certamente espera que sejam usados
dados publicados na matéria “Vergonha Nacional”. Dessa forma, temos a
continuação de uma tendência da Unicamp nos últimos dois anos: a presença de
dados numéricos a serem analisados pelo candidato e aproveitados como
argumentos.
A análise adequada desses dados
numéricos merece uma atenção especial: com base nos números, poder-se-ia
afirmar que os jovens têm um contato com a bebida alcoólica muito maior do que
seria esperado se considerarmos que o consumo de álcool por jovens é
teoricamente proibido: quase um terço dos jovens se embriagou no último
ano. O candidato poderia usar esse fato
para sustentar a ideia de que é necessário cuidado ao tratar do consumo da
bebida alcoólica, para mudar o fato de que, como afirma o texto de abertura da
matéria, a sociedade vê o consumo de álcool como um ‘mal menor’. Outro dado
importante seria o de que os pais
costumam ser coniventes com a relação entre os jovens e a bebida alcoólica (17%
dos casos de embriaguez se deram na presença de pais
ou tios). O autor poderia usar esse dado até mesmo na construção de sua
máscara, posicionando-se como um pai
que, ao contrário dos citados na matéria, não aceita com naturalidade o consumo
de bebida alcoólica pelos seus filhos.
Por fim, uma obrigação que
provavelmente foi negligenciada por vários candidatos é a necessidade de fazer
menção à matéria publicada originalmente pelo jornal, de forma a tornar a carta
escrita como resposta compreensível para quem não a havia lido. Analogamente ao
que ocorreu na prova de 2011, em que era necessário escrever um artigo
opinativo que dialogasse com uma crônica de Drummond, a Unicamp pede ao
candidato que estabeleça uma relação entre dois textos. Essa tarefa tende a ser
trabalhosa para os candidatos com menor contato com textos escritos, levando
muitas vezes à cópia exata do texto original. A banca certamente aceitará
trechos específicos da matéria citados entre aspas (como “Nada é melhor que uma
cervejinha depois de um dia de cão”), desde que haja um trabalho do autor sobre
esses trechos, como comentários, críticas e interpretações (um exemplo, em
relação ao trecho citado logo acima: “fiquei incomodado por a matéria fazer
referências positivas à cerveja, como “nada é melhor que uma cervejinha depois
de um dia de cão” e não incluir nenhuma ressalva apontando os perigos do
consumo do álcool”).
O segundo tema da prova de
redação do vestibular Unicamp 2013 foi um bom exemplo da atual proposta da
universidade: cobrar dos seus futuros alunos as competências necessárias para
produzir textos em situações reais. Embora haja uma série de obrigações, não
deve ter havido dificuldade para o candidato bem preparado.
Cícero, a matéria do jornal foi publicada em 22/jul/2012. Será que nao colocar a data de um dia seguinte ou proximo no cabeçalho da carta desconta nota?
ResponderExcluirNo meu caso, eu coloquei a data do dia da prova, mas sem mencionar na carta a data da publicação da matéria p/ não ficar contraditório.