quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Redação na Unicamp 2013 - Gênero 2: Carta do Leitor



Abaixo, o tema e o comentário sobre o segundo gênero da Unicamp 2013 (Carta do Leitor). Esse comentário foi adaptado do que está no site do Elite, e foi escrito por mim. Quem quiser conferir o gabarito da prova inteira, entre em http://elitecampinas.com.br/gabaritos/unicamp/2013/unicamp2013_1fase.asp.

Tema:

Imagine que, ao ler a matéria “Cães vão tomar uma ‘gelada’ com cerveja pet”, você se sente incomodado por não haver nela nenhuma alusão aos possíveis efeitos que esse tipo de produto pode ter sobre o consumo de álcool, especialmente por adolescentes. Como leitor assíduo, você vem acompanhando o debate sobre o álcool na adolescência e decide escrever uma carta para a seção Leitor do jornal, criticando a matéria por não mencionar o problema do aumento do consumo de álcool.
Nessa carta, dirigida aos redatores do jornal, você deverá:

·          fazer menção à matéria publicada, de modo que mesmo quem não a tenha lido entenda a importância da crítica que você faz;
·          fundamentar a sua crítica com dados apresentados na matéria “Vergonha Nacional”, reproduzidos adiante.

Atenção: ao assinar a carta, use apenas as iniciais do remetente.

Cães vão tomar uma “gelada” com cerveja pet
Produto feito especialmente para cachorros chega ao mercado nacional em agosto

Nada é melhor que uma cervejinha depois de um dia de cão. Agora eles, os cães, também vão poder fazer jus a essa máxima. No mês de agosto chega ao mercado a Dog Beer, cerveja criada especialmente para os amigos de quatro patas. “Quem tem bicho de estimação gosta de dividir o prazer até na hora de comer e beber”, aposta o empresário M. M., 47, dono da marca.
Para comemorar a final da Libertadores, a executiva A. P. C., 40, corintiana roxa, quis inserir Manolito, seu labrador, na festa.
“Ele tomou tudo. A cerveja é docinha, com fundinho de carne”, descreve.
Uniformizado, Manolito não só bebeu a gelada durante o jogo contra o Boca Juniors como latiu sem parar até o fim da partida.
Desenvolvida pelo centro de tecnologia e formação de cervejeiros do Senai, no Rio de Janeiro, a bebida canina é feita à base de malte e extrato de carne; não tem álcool, lúpulo, nem gás carbônico.
O dono da empresa promete uma linha completa de “petiscos líquidos”, que inclui suco, vinho e champanhe.
A lista de produtos humanos em versões animais não para de crescer.
Já existem molhos, tempero para ração e até patê.
O sorvete Ice Pet é uma boa opção para o verão. A sobremesa tem menos lactose, não tem gorduras nem açúcar.

(Adaptado de Ricardo Bunduky, Folha de São Paulo, São Paulo, 22 julh.2012, Cotidiano 3 p.)

Vergonha Nacional
As décadas de descumprimento da lei (...) contribuíram para que os adultos se habituassem a ver o consumo de bebidas entre adolescentes como “mal menor”, comparado aos perigos do mundo. (...) Um estudo publicado pela revista Drugs and Alcohol Dependence ouviu 15.000 jovens nas 27 capitais brasileiras. O cenário que emerge do estudo é alarmante. Ao longo de um ano, um em cada três jovens brasileiros de 14 a 17 anos se embebedou ao menos uma vez. Em 54% dos casos mais recentes, isso ocorreu na sua casa ou na de amigos ou parentes. Os números confirmam também a leniência com que os adultos encaram a transgressão. Em 17% dos episódios, os menores estavam acompanhados dos próprios pais ou de tios.

Resultados da pesquisa realizada com 15.000 jovens de 14 a 17 anos nas 27 capitais brasileiras
Quantas vezes se embebedou

Onde ficou embriagado
(na última vez em que bebeu)

Com quem bebeu
(na última vez em que bebeu)
Nenhuma vez
12%
Bar
35%
Amigos
50%
Uma vez na vida
35%
Casa de amigos
30%
Irmãos e primos
26%
Ao menos uma vez no último ano
32%
Casa de parentes
13%
Pais ou tios
17%
Própria casa
11%
Namorado
5%
Ao menos uma vez no último mês
21%
Festas ou praia
11%
Sozinho
2%


(Adaptado de Revista Veja, Editora Abril, São Paulo, no 28, 11 julh. 2012, p. 81-82.)


Comentário:


O segundo gênero cobrado pela Unicamp foi a Carta do Leitor: trata-se de um gênero encontrado com frequência em jornais e revistas e que se caracteriza por ser uma resposta ou comentário a alguma matéria publicada pelo meio de comunicação em questão.

No caso específico do tema pedido pela Unicamp, era necessário se colocar na posição de um leitor assíduo (não necessariamente leitor assíduo do jornal em que a carta seria publicada, embora essa característica pudesse ser bem aproveitada na argumentação) que se sentiu incomodado com a matéria “Cães vão tomar uma ‘gelada’ com cerveja pet” e resolveu, por esse motivo, escrever uma Carta do Leitor ao jornal, expressando sua reação à reportagem e apresentando uma crítica fundamentada em argumentos publicados em outra matéria.
O propósito do texto, portanto, incluía três tarefas: criticar a matéria publicada pelo jornal; fazer menção a essa matéria, de forma que os leitores que não a conhecem consigam entender a crítica; e usar dados de outra matéria para sustentar a crítica.
A interlocução do texto deveria considerar que o autor da carta é um leitor assíduo e os interlocutores diretos são os redatores da Folha de SP (embora a carta tenha sido elaborada visando à publicação e, portanto, tenha como interlocutores potenciais todos os leitores do jornal). Além de mencionar de maneira explícita a existência de ambos os interlocutores, seria interessante explorar suas características para enriquecer a argumentação. Os redatores da Folha, por exemplo, poderiam ser lembrados de sua responsabilidade de formadores de opinião. O autor da crítica, por sua vez, poderia se caracterizar como um adulto, pai de adolescentes, que se informa sobre o tema do consumo de álcool e sabe por experiência própria o quanto as matérias jornalísticas podem induzir comportamentos em jovens (note que as sugestões dadas aqui não são as únicas possibilidades, mas sugestões de como a máscara — características do autor — e a imagem — características do interlocutor — poderiam ser usadas. De acordo com os critérios da Unicamp, a exploração da máscara e da imagem deve ser um diferencial positivo, mas não um item estritamente necessário, sem o qual o texto seria anulado).
O julgamento do gênero se confunde um pouco com a interlocução, já que é característica da carta a presença de interlocução, máscara e imagem. Os aspectos formais, como cabeçalho, saudação e despedida, também ajudam a caracterizar a carta. A prova foi bastante clara ao afirmar que deve haver uma despedida, indicando que a carta deveria ser assinada com as iniciais do autor. Ao mesmo tempo, deixou subentendida a necessidade de uma saudação que mostrasse claramente a quem a carta era dirigida (os redatores do jornal Folha de SP). É bastante provável que a ausência de um ou dois desses elementos não seja motivo de anulação no critério gênero, desde que outros elementos estejam presentes. Mas a presença de vários deles, especialmente a interlocução, deve ser critério para valorizar o texto.

Algumas observações importantes: em primeiro lugar, vale apontar que o candidato não podia escolher sua posição em relação à matéria: a proposta deixava claro que era necessário criticar o jornal e apontava até o motivo para isso: a ausência de menção aos riscos do consumo de bebida alcoólica, especialmente por adolescentes. Por fim, embora pudesse haver outros argumentos, a banca certamente espera que sejam usados dados publicados na matéria “Vergonha Nacional”. Dessa forma, temos a continuação de uma tendência da Unicamp nos últimos dois anos: a presença de dados numéricos a serem analisados pelo candidato e aproveitados como argumentos.
A análise adequada desses dados numéricos merece uma atenção especial: com base nos números, poder-se-ia afirmar que os jovens têm um contato com a bebida alcoólica muito maior do que seria esperado se considerarmos que o consumo de álcool por jovens é teoricamente proibido: quase um terço dos jovens se embriagou no último ano.  O candidato poderia usar esse fato para sustentar a ideia de que é necessário cuidado ao tratar do consumo da bebida alcoólica, para mudar o fato de que, como afirma o texto de abertura da matéria, a sociedade vê o consumo de álcool como um ‘mal menor’. Outro dado importante seria o de que os pais costumam ser coniventes com a relação entre os jovens e a bebida alcoólica (17% dos casos de embriaguez se deram na presença de pais ou tios). O autor poderia usar esse dado até mesmo na construção de sua máscara, posicionando-se como um pai que, ao contrário dos citados na matéria, não aceita com naturalidade o consumo de bebida alcoólica pelos seus filhos.
Por fim, uma obrigação que provavelmente foi negligenciada por vários candidatos é a necessidade de fazer menção à matéria publicada originalmente pelo jornal, de forma a tornar a carta escrita como resposta compreensível para quem não a havia lido. Analogamente ao que ocorreu na prova de 2011, em que era necessário escrever um artigo opinativo que dialogasse com uma crônica de Drummond, a Unicamp pede ao candidato que estabeleça uma relação entre dois textos. Essa tarefa tende a ser trabalhosa para os candidatos com menor contato com textos escritos, levando muitas vezes à cópia exata do texto original. A banca certamente aceitará trechos específicos da matéria citados entre aspas (como “Nada é melhor que uma cervejinha depois de um dia de cão”), desde que haja um trabalho do autor sobre esses trechos, como comentários, críticas e interpretações (um exemplo, em relação ao trecho citado logo acima: “fiquei incomodado por a matéria fazer referências positivas à cerveja, como “nada é melhor que uma cervejinha depois de um dia de cão” e não incluir nenhuma ressalva apontando os perigos do consumo do álcool”).
O segundo tema da prova de redação do vestibular Unicamp 2013 foi um bom exemplo da atual proposta da universidade: cobrar dos seus futuros alunos as competências necessárias para produzir textos em situações reais. Embora haja uma série de obrigações, não deve ter havido dificuldade para o candidato bem preparado.
 



Um comentário:

  1. Cícero, a matéria do jornal foi publicada em 22/jul/2012. Será que nao colocar a data de um dia seguinte ou proximo no cabeçalho da carta desconta nota?
    No meu caso, eu coloquei a data do dia da prova, mas sem mencionar na carta a data da publicação da matéria p/ não ficar contraditório.

    ResponderExcluir