segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sobre a redação no vestibular Unicamp 2012: Gênero 1 - Comentário

A prova da Unicamp 2012 pediu três gêneros diferentes, assim como havia ocorrido no vestibular 2011. Curiosamente, eles foram muito parecidos com os do ano passado, o que me leva a pensar se a Unicamp não está criando uma nova fórmula para sua prova (ao contrário do que foi anunciado nos cursos de correção oferecidos pela própria Unicamp).

Se você chegou agora e está um pouco perdido, aí vai um breve resumo da situação: a partir do vestibular 2011, realizado ano passado (o de ontem foi a primeira fase do vestibular 2012), a Unicamp abandonou seu tradicional modelo de 1ª fase, que consistia em 12 questões dissertativas e uma redação escolhida dentre três opções (dissertação, narração e carta argumentativa); no lugar desse formato, apareceram 48 questões de múltipla escolha e três redações obrigatórias, de gêneros variados (ou seja, o candidato não sabe de antemão quais gêneros serão cobrados na prova). A justificativa para a mudança na redação é que o modelo com três tipos de texto fixos levava a um treinamento dos candidatos para escrever apenas um tipo de texto (já que ele podia escolher) e que isso acabava valorizando não os bons leitores e sim os estudantes mais ‘bitolados’, os que memorizavam melhor algumas fórmulas de escrita. Com o novo modelo, e especialmente por causa da ausência de uma lista definida de gêneros, a ideia é valorizar o aluno que leu bastante, durante toda a vida escolar, e que consegue identificar as características de gêneros diversos, sem treinar especificamente para um deles.

Na prova de redação do vestibular Unicamp 2011 (relembre a prova aqui: http://www.comvest.unicamp.br/vest2011/F1/f12011QZ.pdf), os gêneros pedidos foram um comentário para o site da MTV, um discurso de apresentação para uma palestra sobre ensino de Ciências e um artigo de opinião sobre as chuvas que atingiram o país no início de 2010. Sobre este último tema, um detalhe muito estranho foi que a Unicamp prejudicou as pessoas que conheciam realmente o gênero artigo de opinião, pois o considerou um gênero impessoal, ou seja, em que o autor não se revela diretamente. Isso vai contra os milhares de exemplos de artigos de opinião publicados diariamente na mídia, por autores como Diogo Mainardi, Luiz Felipe Pondé, Lia Luft, Contardo Calligaris, Carlos Heitor Cony, Roberto Pompeu de Toledo e Arnaldo Jabor, para citar apenas alguns dos mais conhecidos, que costumam usar a primeira pessoa do singular em seus textos. Mas não vamos discutir esse assunto aqui, pois o tema agora é a prova de 2012.

Este ano, o primeiro gênero era, novamente, um comentário. O segundo foi um manifesto, embora possuísse também características de discurso. E o terceiro, o que causou a maior surpresa dentre os três, foi um verbete para uma enciclopédia online. Vamos aos comentários de cada um:

Gênero 1 – Comentário

http://www.comvest.unicamp.br/vest2012/F1/f12012QZ.pdf

Com tantos gêneros para pedir, por que repetir um deles? Ainda acho que seria mais interessante (e mais coerente com a proposta da Unicamp) explorar novos gêneros, mas enfim... a verdade é que, embora o nome comentário seja o mesmo usado no ano passado, o gênero deste ano teve características um pouco diferentes. O comentário do ano passado era puramente expositivo: o candidato deveria se colocar na posição de um jovem e comentar um gráfico encontrado no site da MTV, apontando algumas de suas características e revelando em que medida se identificava com os resultados da pesquisa. Apesar do compreensível déja-vu que a proposta de 2012 provoca (é um comentário, tem um gráfico, é voltada a um site fequentado por jovens...), uma diferença importante é que, desta vez, o candidato precisaria se posicionar em relação a outro comentário. Portanto, entra aí um aspecto de argumentação que estava ausente da prova de 2011.

Muita gente sabe como fazer dissertações, mas como escrever um comentário? É a mesma coisa? É só escrever tudo o que se passa pela sua cabeça? Na verdade, o mais importante é cumprir a proposta em seus detalhes específicos. E o que foi pedido no gênero 1 do vestibular Unicamp 2012 não foi simplesmente um comentário sobre o que é ser cientista ou sobre se o candidato quer ou não ser cientista. Atente para o propósito específico:

- fazer uma análise do gráfico, sugerindo o que pode ser concluído a partir dos resultados da pesquisa;

- posicionar-se frente à opinião do Estudante Paulista, levando em conta a análise que você fez do gráfico.

Então, o primeiro passo era uma análise do gráfico. Observando-o, percebemos algumas coisas interessantes e que poderiam ser usadas no texto. Primeiro, o número de meninos interessados na carreira científica é consistentemente maior que o número de meninas interessadas na mesma carreira (as exceções são Uganda e Lesoto). Além disso, a curva do gráfico revela um critério nas respostas: de forma geral, quanto mais desenvolvido o país, menos interesse as pessoas têm pela carreira científica. Essa conclusão pode parecer contraditória, já que os países ricos são normalmente os que mais investem em ciência. Mas lembre-se de que o gráfico que estamos vendo foi apresentado fora de contexto, ou seja, não sabemos em que condições a pergunta foi feita (houve uma explicação do que é ser cientista? Havia outras perguntas?) e nem sabemos exatamente o que significam os números (porcentagem de pessoas que respondeu sim? Número absoluto de respostas positivas?). Uma possível interpretação dessa curva seria a seguinte: em países ricos, as pessoas têm diversas opções em seu futuro profissional. A carreira científica, portanto, concorre com várias outras pelo interesse dos estudantes. Já nos países menos desenvolvidos, a carreira científica seria encarada como uma opção melhor que a ausência de emprego, que é uma realidade presente e muito preocupante. Minha aposta é que, se a pergunta fosse “você gostaria de ser empresário?” ou “você gostaria de ser professor?”, a curva seria muito próxima da apresentada no tema. Outra possibilidade a ser contemplada é a de que muitos habitantes de países periféricos talvez tenham uma visão romantizada da ciência, sem contato real com a profissão de cientista, e por isso talvez enxerguem nessa carreira um glamour que os moradores de grandes cidades e frequentadores de universidades sabem ser ilusório.

Não é necessário comentar tão profundamente o gráfico, até porque o espaço de 22 linhas é muito curto. Tenho a impressão de que as informações que a Unicamp esperava são mesmo a discrepância entre o interesse de meninos e meninas e o fato de a curva seguir aproximadamente o grau de desenvolvimento econômico dos países. Porém, a capacidade de explicar o gráfico poderia ser útil devido a uma outra exigência da proposta, que discutirei daqui a pouco.

O tema incluía também a necessidade de se posicionar sobre a opinião do Estudante Paulista, que fez o seguinte comentário:

Às 15h42, Estudante Paulista escreveu:

Vejam este gráfico! Ele mostra o resultado de uma pesquisa sobre o interesse de estudantes de vários lugares do mundo pela carreira científica. Vocês não acham que essa pesquisa reflete muito bem a realidade? Eu, por exemplo, sempre morei em São Paulo e nunca pensei em ser cientista!

Há uma pergunta feita de forma explícita no comentário do Estudante Paulista: “Vocês não acham que essa pesquisa reflete muito bem a realidade?”. Um comentário escrito em resposta, portanto, deveria apresentar sua posição em relação a essa pergunta. Você poderia dizer que sim, que acredita que a pesquisa revela a realidade e apresentar sua própria visão pessoal, dizendo se quer ou não ser cientista e qual é a opinião de outras pessoas de seu convívio. Mas também poderia dizer que não acredita que a pesquisa reflete a realidade e até acrescentar que a opinião pessoal do estudante paulista, embora certamente válida para ele, não significa necessariamente a opinião geral das pessoas que vivem na mesma cidade. Você poderia até mesmo afirmar que também vive em São Paulo e sonha ser cientista.

É nesse momento, supondo que você discorde da opinião do Estudante Paulista, que seria interessante explicitar o significado que o gráfico teve para você. Uma possibilidade foi a que eu comentei anteriormente: o gráfico pode significar que muitas pessoas de países periféricos enxergam a ciência como uma forma de sair de uma situação de desemprego. Dessa forma, é possível responder ao Estudante Paulista que a maioria das pessoas no Malavi provavelmente não pensa o tempo todo “como eu gostaria de ser cientista!”, mas que, ao ouvirem a pergunta, muitos encararam pela primeira vez a ciência como uma possível carreira e responderam afirmativamente, pensando “certamente eu gostaria mais de ser cientista do que de não ter um emprego ou de ter uma ocupação pouco valorizada”. Assim, o gráfico representaria uma realidade, mas não necessariamente a realidade do interesse pela ciência. (Vale a pena reforçar aqui: o que eu disse acima é apenas uma possibilidade, não uma obrigação. Você poderia defender qualquer outra opinião, desde que houvesse no gráfico elementos para sustentá-la).

Quanto ao outro elemento da proposta (o fato de o comentário estar em um fórum voltado a concluintes do Ensino Médio), era possível atribuir essa característica ao autor do texto. Você poderia escrever algo como “eu, que também estou concluindo o Ensino Médio, penso muito em que profissão seguir, e sempre (ou nunca, ou às vezes) considero a carreira científica como uma possibilidade”. Mas não creio que seria obrigatório fazer essa referência. Afinal, o tema não diz que o autor do texto deve ser um concluinte do Ensino Médio, apenas que o meio em que ele vai escrever é voltado a esse público.

Por fim, a linguagem. Como se trata de um comentário espontâneo em um fórum na internet, o candidato poderia concluir que uma linguagem informal, até mesmo com o uso do “internetês”, seria recomendável. Embora eu acredite que é verossímil haver um alto grau de informalidade nesse tipo de resposta (e quem costuma ler postagens em fóruns pela internet sabe muito bem disso), a Unicamp tende a valorizar uma linguagem mais formal. E a presença dessa formalidade não é inverossímil, principalmente porque o assunto tratado no tema é mais sério que a média dos assuntos comentados na internet. Também é comum que as pessoas que querem ser levadas a sério em uma discussão tentem caprichar um pouco mais na linguagem. Isso não significa fazer um texto rebuscado, cheio de termos arcaicos ou pedantes, mas sim tentar respeitar a norma padrão da língua portuguesa (vou discutir esse conceito algum dia, mas não hoje).

Enfim, o comentário foi um tema que, mesmo revelando certa falta de imaginação por parte da Unicamp, não deve ter causado muitas dificuldades para um candidato que leu com atenção a proposta e fez o projeto de texto.

14 comentários:

  1. Professor, eu escrevi a minha redação(texto1-comentário) em forma de carta. O senhor acha que corro risco de anularem a minha redação? Escrevi mais ou menos dessa forma:
    "São Carlos,dia 13 de novembro de 2011.
    Ao Estudante Paulista,
    (...)"
    Porém quanto aos elementos esperados pela proposta creio que cumpri todos. Meu único erro foi ter escolhido equivocadamente o gênero. O que o senhor acha?

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  2. Oi, Richard. Acredito que apenas a presença do cabeçalho não deve anular o texto, se você cumpriu o propósito e destinou a mensagem ao interlocutor pedido. O que talvez ocorra: zero em um dos critérios, o de gênero. Isso prejudicaria o texto, obviamente, mas não o eliminaria do vestibular. Abraços.

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  3. Professor, na hora de analisar o gráfico, eu imaginei de outra forma, pois fiquei com receio em generalizar tal fato de todos as pessoas dos países pobres serem interessadas na carreira científica, por isso, analisei que o brasileiros, apresentam um baixo interesse em relação a outros países como Malvi e Uganda em se tornarem cientistas, isso pode ser um reflexo da falta de investimentos governamentais. Dessa maneira, eu concordei com o estudante paulista, pois ele vive em São Paulo e não se interessa em ser cientista, como a maioria dos brasileiros.
    Será que está errado?
    Abraço, e obrigado

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  4. Oi, Marcelinho. O problema que eu vejo nessa análise é o fato de que o Brasil seria uma exceção. Se o baixo investimento governamental em ciência justifica a falta de interesse em ciência, podemos concluir que Suécia, Dinamarca e Noruega investem menos que o Brasil?
    Quanto à generalização, lembre-se de que o gráfico não diz que TODAS as pessoas de países pobres querem ser cientistas, mas que há um interesse maior pela carreira científica nesses países. Afirmar isso não é generalizar.
    Acredito que sua interpretação pode, sim, sofrer uma penalização, mas há vários outros critérios que não serão afetados por ela.
    Abraços e obrigado pela participação.

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  5. Entendi Cícero, conforme a Unicamp declarou na sua expectativa da banca, há inúmeras análises que podem ser feitas, tem que esperar pra ver mesmo.
    Quanto a anulação da redação, somente quando zera em gênero, propósito e interlocução? ou basta zerar um desses três pra ter sua redação anulada?

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  6. Oi, Marcelinho. Para ter a redação anulada, tem que zelar as três mesmo. Zerar só uma não causa anulação do texto.

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  7. também escrevi em forma de carta, você acha que poderei ter muitos pontos descontados?

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  8. Oi, Basket. Depende do quanto você caracterizou a carta. Se você só colocou um cabeçalho (data e local) no alto da folha, tem pouco problema. Se, somado a isso, você escreveu algo como "estou mandando esta carta para...", ou "venho por meio desta", nesse caso já há o risco de zerar no critério gênero. Ainda assim, o texto não seria anulado. Abraços.

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  9. só coloquei o cabeçalho e pelo que eu vi da expectativa da banca segui a maioria dos critérios esperados

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  10. Olá Cícero,meu nome é Aline,adorei seu site,me ajudou bastante ,sempre tive minhas duvidas em relação à certas redações,e você conseguiu me esclarecer muito bem!!
    Com certeza estarei te acompanhando ao longo desse ano 2012,pois planejo entrar na unicamp em 2013,minha mãe é professora de lá
    Aurea Rosas,mas a parte dela é Fisica,ou seja exatas.
    E minhas maiores duvidas são mais na parte de humanas,portugues e redação mesmo.
    Você tem algum email ou algo mais façil de entrar em contato,para tirar certas duvidas??
    Obrigada
    Aline_starsblues@hotmail.com

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  11. Cícero, meu nome é Edson e gostaria de saber se poderia iniciar o comentário com um "Olá pessoal do Fórum," e na linha de baixo começar a análise do gráfico. Tabém queria perguntar o número de linhas recomendado ao gênero.

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  12. Olá, você poderia dar algumas dicas de como estruturar uma redação com esse tema? Me perco muito em relação a título, parágrafos, vocativo.. enfim, eu realmente não tenho muita noção com o tema comentário.
    Aguardo uma resposta, tenho muito interesse em melhorar isso.
    Obrigada,
    Giulia Rindoni

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  13. Olá, gostei muito do blog, é realmente elucidativo. Tenho uma dúvida, porém: Vou prestar pela primeira vez o vestibular da unicamp e não sei como funciona a folha de redação deles. Alguém poderia me ajudar? Eles estabelecem número mínimo e máximo de linhas para cada gênero solicitado ou isso fica a critério do aluno?
    Obrigado.

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  14. Pessoal, algumas respostas (umas um pouco atrasadas; desculpem, eu já tinha respondido, mas por um problema na forma como eu estava acessando a conta, meu texto não apareceu).

    Antonio: a redação da Unicamp tem, oficialmente, 22 linhas disponíveis para escrever. Mas a folha tem um pouco mais (24, se não me engano). Não há limite mínimo, mas é muito difícil escrever um texto que cumpra todas as exigências em 5 ou 10 linhas. Eu recomendo usar todo o espaço disponível.

    Giulia: o comentário não é um gênero muito organizado, mas eu recomendaria observar duas regras:
    1. indique claramente qual é o assunto a que você se refere; se for responder a uma pessoa específica, deixe claro que seu texto é direcionado a ela.
    2. NÃO faça cabeçalho estilo carta (cidade e data) nem despedida.

    Anônimo: não faz muito sentido começar uma postagem com "Olá, pessoal do Fórum" se você tem que dirigir seu texto a uma pessoa específica. Mesmo se você for se dirigir a todos os participantes do fórum, o mais comum é escrever diretamente, sem uma saudação.

    Alin: existe um email do blog (temqueportitulo@gmail.com), mas eu estou tendo sérias dificuldades para acompanhá-lo e responder às mensagens, devido ao excesso de trabalho.

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