quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Redação na Unicamp 2015: Gênero 2 - Carta-convite

Em 2015, temos mais uma vez uma carta na prova da Unicamp. Agora, é uma carta-convite que também tem características de carta argumentativa.

Veja a proposta abaixo ou na página da Comvest: http://www.comvest.unicamp.br/vest2015/F2/provas/redport.pdf

Em busca de soluções para os inúmeros incidentes de violência ocorridos na escola em que estudam, um grupo de alunos, inspirados pela matéria “Conversar para resolver conflitos”, resolveu fazer uma primeira reunião para discutir o assunto. Você ficou responsável pela elaboração da carta-convite dessa reunião, a ser endereçada pelo grupo à comunidade escolar – alunos, professores, pais, gestores e funcionários.
A carta deverá convencer os membros da comunidade escolar a participarem da reunião, justificando a importância desse espaço para a discussão de ações concretas de enfrentamento do problema da violência na escola. Utilize as informações da matéria abaixo para construir seus argumentos e mostrar possibilidades de solução.
Lembre-se de que o grupo deverá assinar a carta e também informar o dia, o horário e o local da reunião.

Conversar para resolver conflitos.
Quando a escuta e o diálogo são as regras, surgem soluções pacíficas para as brigas.

Alunos que brigam com colegas, professores que desrespeitam funcionários, pais que ofendem os diretores. Casos de violência na escola não faltam. A pesquisa O Que Pensam os Jovens deBaixa Renda sobre a Escola, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC), ambos de São Paulo, revelou que 11% dos estudantes se envolveram em conflitos com seus pares nos últimos seis meses e pouco mais de 8% com professores, coordenadores e diretores. Poucas escolas refletem sobre essas situações e elaboram estratégias para construir uma cultura da paz. A maioria aplica punições que, em vez de acabarem com o enfrentamento, estimulam esse tipo de atitude e tiram dos jovens a autonomia para resolver problemas.
Segundo Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista da revista NOVA ESCOLA, implementar um projeto institucional de mediação de conflitos é fundamental para implantar espaços de diálogo sobre a qualidade das relações e os problemas de convivência e propor maneiras não violentas de resolvê-los. Assim, os próprios envolvidos em uma briga podem chegar a uma solução pacífica.
Por essa razão, é importante que, ao longo do processo de implantação, alunos, professores,
gestores e funcionários sejam capacitados para atuar como mediadores. Esses, por sua vez, precisam ter algumas habilidades como saber se colocar no lugar do outro, manter a imparcialidade, ter cuidado com as palavras e se dispor a escutar.
O projeto inclui a realização de um levantamento sobre a natureza dos conflitos e um trabalho
preventivo para evitar a agressão como resposta para essas situações. Além disso, ao sensibilizar os professores e funcionários, é possível identificar as violências sofridas pelos diferentes segmentos e atuar para acabar com elas.

Pessoas capacitadas atuam em encontros individuais e coletivos

Há duas formas principais de a mediação acontecer, segundo explica Lívia Maria Silva Licciardi,
doutoranda em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A primeira é quando há duas partes envolvidas. Nesse caso, ambos os lados se apresentam ou são chamados para conversar com os mediadores - normalmente eles atuam em dupla para que a imparcialidade no encaminhamento do caso seja garantida - em uma sala reservada para esse fim. Eles ouvem as diversas versões, dirigem a conversa para tentar fazer com que todos entendam os sentimentos colocados em jogo e ajudam na resolução do episódio, deixando que os envolvidos proponham caminhos para a decisão final.
A segunda forma é utilizada quando acontece um problema coletivo - um aluno é excluído pela turma, por exemplo. Diante disso, o ideal é organizar mediações coletivas, como uma assembleia. Nelas, um gestor ou um professor pauta o encontro e conduz a discussão, sem expor a vítima nem os agressores. "O objetivo é fazer com que todos falem, escutem e proponham saídas para o impasse. Assim, a solução deixa de ser punitiva e passa a ser formativa, levando à corresponsabilização pelos resultados", diz Ana Lucia Catão, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Ela ressalta que o debate é enriquecido quando se usam outros recursos: filmes, peças de teatro e músicas ajudam na contextualização e compreensão do problema.
No Colégio Estadual Federal (CEF) 602, no Recanto das Emas, subdistrito de Brasília, o Projeto Estudar em Paz, realizado desde 2011 em parceria com o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP/UnB), tem 16 alunos mediadores formados e outros 30 sendo capacitados.
A instituição conta ainda com 28 professores habilitados e desde o começo deste ano o projeto faz parte da formação continuada. "Os casos de violência diminuíram. Recebo menos alunos na minha sala e as depredações do patrimônio praticamente deixaram de existir. Ao virarem protagonistas das decisões, os estudantes passam a se responsabilizar por suas atitudes", conta Silvani dos Santos, diretora. (...)
"Essas propostas trazem um retorno muito grande para as instituições, que conseguem resultados satisfatórios. É preciso, porém, planejá-las criteriosamente", afirma Suzana Menin, professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

(Adaptado de Karina Padial, Conversar para resolver. Gestão Escolar. São Paulo, no
. 27, ago/set 2013. http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/conversar-resolver-conflitos-brigas-dialogo-762845.shtml?page=1. Acessado em 02/10/2014.)

Essa proposta é uma das mais claras dos últimos anos. O propósito da carta-convite é explícito, assim como algumas características que costumam causar dúvidas (por exemplo, a necessidade de assinatura da carta). Mesmo assim, vamos analisar cada elemento da proposta:

1. O propósito:

O propósito principal da carta é convidar membros da comunidade escolar para uma reunião. Mais especificamente, podemos dividir esse propósito em quatro partes:

  1. convidar os membros da comunidade escolar a participarem de uma reunião;
  2. utilizar informações da matéria apresentada para convencer a comunidade escolar a atender ao convite;
  3. Mostrar possibilidades de solução para o problema;
  4. informar o dia, o horário e o local da reunião.

Embora pareçam muitas obrigações, elas fazem bastante sentido para a proposta e estão apresentadas de forma explícita. Acredito, portanto, que a maioria dos candidatos tenha conseguido cumprir essa parte da tarefa.
A maior dificuldade, provavelmente, envolveu as partes 2 e 3 do propósito. Ainda assim, não se trata de uma grande barreira, já que a matéria oferece dados mais que suficientes para argumentar sobre a necessidade de discutir o problema da violência. Por exemplo, alguns trechos que poderiam ser aproveitados:

Segundo Telma Vinha (…), implementar um projeto institucional de mediação de conflitos é fundamental para implantar espaços de diálogo sobre a qualidade das relações e os problemas de convivência e propor maneiras não violentas de resolvê-los.

(…) é importante que, ao longo do processo de implantação, alunos, professores, gestores e funcionários sejam capacitados para atuar como mediadores.

(…) o ideal é organizar mediações coletivas, como uma assembleia. Nelas, um gestor ou um professor pauta o encontro e conduz a discussão, sem expor a vítima nem os agressores.

Ao virarem protagonistas das decisões, os estudantes passam a se responsabilizar por suas atitudes.

A leitura atenta do texto de apoio deixa claro que o diálogo é o melhor caminho: a proposta de solução para o problema deveria incluir, de alguma maneira, a existência de encontros regulares em que a violência seja discutida abertamente por todos os envolvidos (alunos, professores e funcionários, principalmente) e os argumentos deveriam se basear nesse princípio. A própria ideia dos estudantes de convidar a comunidade escolar para uma reunião em que o problema será debatido é um argumento favorável à necessidade do diálogo.
Quanto ao convite propriamente dito e às informações, acredito que deveriam aparecer da maneira mais explícita possível. Por exemplo: “portanto, convidamos toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores, gestores e funcionários) para a reunião que ocorrerá no auditório da escola, no dia 9 de fevereiro de 2015, a partir das 19h”. A presença das palavras usadas pela própria banca elaboradora ajuda a mostrar compreensão da proposta e facilita o trabalho do avaliador, quando ele for procurar elementos para se certificar de que as tarefas foram todas cumpridas.


2. O locutor:

A banca a pediu claramente que o candidato se colocasse como representante de um grupo de alunos interessados em promover debates sobre a violência na escola. Como as características do aluno que está escrevendo o texto não são mencionadas (e, ao que tudo indica, não são relevantes), o texto deveria ser escrito na 1a pessoa do plural (“nós, estudantes da escola tal...”).

A proposta não deixa claro se os estudantes fazem parte de uma série específica ou não. Pela leitura do texto motivador, e considerando a abrangência do problema da violência nas escolas, acredito que o mais lógico seria escrever a carta em nome dos alunos da escola como um todo, mas não creio que a Unicamp irá penalizar textos em que os locutores pertençam todos a uma mesma sala ou a outro grupo específico (como o grêmio estudantil, por exemplo).

Lembre-se de que foi pedido, explicitamente, que o grupo assinasse a carta-convite. Acredito que o modo ideal de cumprir essa tarefa seria simplesmente escrever, ao final do texto, algo como

“Atenciosamente,
Alunos da Escola Estadual Fulano de Tal”.
3. O interlocutor:

A carta deveria ser dirigida à comunidade escolar. Imagino que a banca examinadora aceitará essa denominação genérica, mas seria mais seguro discriminar os participantes (pais, alunos, professores, gestores e funcionários). Como estamos falando de um grupo muito heterogêneo de interlocutores, a Unicamp provavelmente não espera que os textos desenvolvam a imagem dessas pessoas. A única característica que eu vejo como interessante é a que todos têm em comum: a participação na vida escolar (que inclui, presumivelmente, o interesse em diminuir o número de casos de violência).

Como se trata de uma carta, a menção ao interlocutor deve estar explícita, logo no início (“Aos pais, alunos, professores, gestores e funcionários que formam a comunidade do Colégio Tal”) e deve ser explorada durante o texto. Um problema muito frequente em cartas cobradas em vestibulares é a ausência de interlocução. Para melhorar sua pontuação, o candidato deve ter feito referências aos interlocutores durante todo o texto, usando expressões como “vocês, que se importam com a boa convivência nesta escola, precisam colaborar para discutirmos abertamente o problema da violência em nosso colégio”.

4. Meio e estrutura:

Ao contrário de anos anteriores, em que as cartas tinham características híbridas que podem ter causado dúvidas, este ano a Unicamp pediu uma carta mais tradicional: provavelmente, espera-se a estrutura com data, local e destinatários no alto da página e depedida e assinatura no final. Não há motivos para pensarmos que outra estrutura seria mais valorizada, embora a Unicamp provavelmente aceite variações do modelo clássico (por exemplo, ausência de data e local).

Uma forma de garantir o cumprimento da tarefa é usar, sempre que o gênero permitir, o próprio nome do gênero. Neste caso, seria possível usar uma expressão como “estamos enviando esta carta-convite porque queremos...”.

5. A linguagem:

Sobre a linguagem, espera-se que o candidato escreva um texto formal e que use interlocução, de modo a caracterizar a carta. A ausência de interlocução será, provavelmente, uma falha muito mais grave do que a ausência de aspectos formais, como o cabeçalho.

É isso. A carta-convite, embora não seja um gênero tão previsível, não deve ter causado muitas dificuldades para os alunos bem preparados. Além disso, a proposta deste ano estava mais claramente formulada, o que deve ter facilitado o trabalho de quem a leu com atenção. Se ainda houver dúvidas, podem perguntar por aqui e vou responder na medida do possível (as férias estão acabando...).


Até breve.

3 comentários:

  1. Estou com pequenas dúvidas sobre como realizar está redação de forma convidativa, eu deveria propor soluções e assim convida los ou deveria apenas informar de tais problemas, e comentar um pouco sobre "diálogos e seus benefícios"?

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  2. O foco da carta-convite não é propor as soluções, mas chamar as pessoas a participar de uma reunião. Então, a segunda opção é mais adequada: fale dos problemas e mencione brevemente que a solução passa pelo diálogo.

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  3. Muito bom! Ótimo blog, me ajudou muito!
    Obrigada...

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