segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Argumentos sobre a pena de morte

Já há algum tempo, eu tenho interesse em discutir ideias do senso comum que circulam por aí sem contestação. Vou começar aproveitando um assunto polêmico, que faz parte do inconsciente coletivo quando se pensa em redação: a pena de morte. O assunto voltou à tona agora, com a execução do traficante brasileiro preso na Indonésia, e tem mobilizado muitos argumentos favoráveis e contrários. Mas o nível da discussão, infelizmente, não parece ter evoluído.

Dois argumentos muito comuns podem ser eliminados com pouquíssimo esforço:

1: o argumento de que a pena de morte economizaria dinheiro: no Kansas, em 2003, uma pesquisa concluiu que um único caso de pena de morte custava, em média, US$ 1,26 milhão, contra US$ 740 mil de um caso comum até o fim da pena. Obviamente, não temos dados equivalentes no Brasil, mas é possível imaginar que a relação seria semelhante. Além disso, o fato de o Brasil não ter nenhuma infraestrutra para a pena capital em seus presídios provavelmente levaria a gastos extras.

2: o argumento de que a pena capital diminuiria a superlotação nos presídios: em todo o mundo, cerca de 1000 pessoas são executadas por ano; o Brasil tem um déficit de 200 mil vagas em presídios – 563 mil presos, 363 mil vagas; ou seja, o impacto da pena de morte seria desprezível.

Mas o que eu quero discutir aqui é um argumento mais etéreo: o de que a pena de morte teria um efeito psicológico, inibindo os futuros criminosos. Acompanhe:

Se a pena de morte for aprovada no Brasil, o mais provável é que use um sistema semelhante ao dos Estados Unidos, que é culturalmente mais próximo de nós do que a Indonésia, a China ou a Arábia Saudita. Portanto, vou usar os números dos nossos vizinhos da América do Norte como base.

Os Estados Unidos têm cerca de 320 milhões de habitantes; nos últimos quatro anos para os quais há dados oficiais (2010 a 2013), foram executados 162 condenados nos 36 estados que aplicam a pena capital (média de 40,5 por ano).

Alguém pode dizer: “Pelo menos, eles servem de exemplo para os que ainda não cometeram crimes; se a pessoa sabe que vai morrer, ela desiste do crime e começa a agir como um cidadão de bem”.

Isso até poderia ser verdade... mas o que ocorre é que é muito mais provável alguém que cometeu um crime morrer no Brasil do que nos Estados Unidos! No mesmo período em que a pena capital estadunidense matou 162 condenados, a polícia brasileira, sem julgamento, foi responsável pela morte de 8.378 pessoas!

Para não ser injusto, vou computar aqui também as pessoas mortas pela polícia nos Estados Unidos nesses 4 anos: 1.531. Fazendo todas as contas, temos o seguinte:

Pessoas mortas pelo Estado brasileiro (polícia + pena de morte): 2.094 por ano
Pessoas mortas pelo Estado estadunidense (polícia + pena de morte): 423 por ano

Levando em conta a população dos dois países, a probabilidade de uma pessoa morrer em consequência de um conflito com a lei é quase OITO VEZES maior no Brasil do que nos 
Estados Unidos. Logo, chegamos a duas conclusões simples:

1 – o Brasil já aplica a pena de morte, extraoficialmente;

2- se o medo de morrer por ter cometido um crime fosse um desmotivador eficiente, era de se esperar que o número de crimes violentos no Brasil fosse menor (não é o que ocorre: o Brasil tem uma taxa de 21 assassinatos por 100 mil habitantes, contra 4,2 dos Estados Unidos).

É compreensível que, em momentos de desespero, as pessoas sejam seduzidas por argumentos falaciosos e fáceis. No entanto, adotar esse discurso apenas dificulta a compreensão e a solução dos problemas. Por isso, mesmo quando você estiver incomodado com uma situação e até com raiva por não ver uma solução próxima, não saia adotando a primeira proposta sem sentido que aparecer no Facebook. Tente analisar os detalhes e ver se o que foi sugerido realmente faz sentido.

Pretendo comentar mais argumentos do senso comum no futuro. Se alguém tiver sugestões, pode mandar por aqui. Até breve.

Fontes:

Custo de execuções no Kansas:
ttp://www.deathpenaltyinfo.org/node/1080

Mortes em confronto com a polícia no Brasil:
Aplicações da pena de morte nos Estados Unidos: http://www.amnestyusa.org/pdfs/DeathPenaltyFactsMay2012.pdf

Déficit de vagas em presídios no Brasil
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMID364AC56ADE924046B46C6B9CC447B586PTBRNN.htm

2 comentários:

  1. Vemos que a questão de ser contra a pena de morte vai muito além do puro moralismo, dados comprovam a ineficácia da pena capital

    ResponderExcluir
  2. Vemos que a questão de ser contra a pena de morte vai muito além do puro moralismo, dados comprovam a ineficácia da pena capital

    ResponderExcluir